sábado, 23 de outubro de 2010

Mensagem de Bento XVI para o dia Mundial das Missões


A construção da comunhão eclesial
é a chave da missão
Queridos irmãos e irmãs,
O mês de outubro, com a celebração do Dia Mundial das Missões, oferece às comunidades diocesanas e paroquiais, aos Institutos de Vida Consagrada, aos Movimentos Eclesiais e a todo o Povo de Deus uma ocasião para renovar o compromisso de anunciar o Evangelho e atribuir às actividades pastorais uma ampla conotação missionária. Este evento anual nos convida a viver com intensidade os caminhos litúrgicos, catequéticos, caritativos e culturais, mediante os quais Jesus Cristo nos convoca à ceia de sua Palavra e da Eucaristia para saborearmos o dom de sua Presença, nos formarmos na sua escola e vivermos com mais consciência unidos a Ele, Mestre e Senhor. É ele mesmo que nos diz: “Quem me tem amor será amado por meu Pai, e eu o amarei e me hei-de manifestar a ele” (Jo 14,21). Somente a partir deste encontro com o Amor de Deus, que muda a existência, podemos viver em comunhão com Ele e entre nós, e oferecer aos irmãos um testemunho credível, dando razão da nossa esperança (cf. 1Pe 3,15).

A fé adulta é a condição para poder fomentar um humanismo novo

Uma fé adulta, capaz de se entregar totalmente a Deus em atitude filial, alimentada pela oração, pela meditação da Palavra de Deus e pelo estudo das verdades da fé, é a condição para poder promover um humanismo novo, fundamentado no Evangelho de Jesus.

Ademais, em outubro, depois da pausa de verão, são retomadas as várias actividades eclesiais em muitos países, e a Igreja nos convida a aprender de Maria, mediante a oração do Santo Rosário, a contemplar o projecto de amor do Pai pela humanidade, para amá-la como Ele a ama. Não seria este também o sentido da missão?

Com efeito, o Pai nos chama a ser filhos amados em seu Filho, o Amado, e a reconhecermo-nos todos irmãos Nele, Dom de Salvação para a humanidade, dividida pela discórdia e pelo pecado, e Revelador do verdadeiro rosto do Deus que “amou tanto o mundo que deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16).

O compromisso e o anúncio evangélico são deveres da Igreja

“Queremos ver Jesus” (Jo 12,21) é o pedido que, no Evangelho de João, alguns Gregos, ao chegar a Jerusalém para a peregrinação pascal, apresentam ao apóstolo Filipe. Ele ressoa também em nosso coração neste mês de outubro, que nos recorda que o compromisso e o anúncio evangélico são deveres de toda a Igreja, “missionária por natureza” (Ad Gentes, 2), e nos convida a sermos promotores da novidade de vida, permeada de relações autênticas, em comunidades fundamentadas no Evangelho. Em uma sociedade multiétnica cada vez mais sujeita a novas formas de solidão e de indiferença preocupantes, os cristãos devem aprender a oferecer sinais de esperança e a tornar-se irmãos universais, cultivando os grandes ideais que transformam a história e a empenhar-se, sem falsas ilusões ou inúteis temores, para fazer do planeta a casa de todos os povos.

Como os peregrinos gregos de dois mil anos atrás, também os homens do nosso tempo, nem sempre conscientemente, pedem aos fiéis que não apenas “falem” de Jesus, mas “apresentem” Jesus, fazendo resplandecer o Rosto de Jesus em todos os cantos da terra diante das gerações do novo milénio e especialmente diante dos jovens de todos os continentes, destinatários privilegiados e actores do anúncio evangélico. Eles devem compreender que os cristãos assumem a palavra de Cristo, porque Ele é a Verdade, porque encontraram Nele o sentido, a verdade para suas vidas.

Ser chamado a anunciar o Evangelho estimula as comunidades

Estas considerações evocam o mandato missionário recebido por todos os baptizados e por toda a Igreja, que, porém, não se pode cumprir de maneira credível sem uma profunda conversão pessoal, comunitária e pastoral. Efectivamente, a consciência de ser-se chamado a anunciar o Evangelho estimula não apenas os fiéis, mas todas as comunidades diocesanas e paroquiais a uma renovação integral e a abrir-se sempre mais à cooperação missionária entre as Igrejas, para promover o anúncio do Evangelho no coração de todas as pessoas, povos, culturas, raças e nacionalidades, em todas as latitudes. Tal consciência se alimenta através da obra dos Sacerdotes “Fidei Donum”, de Consagrados, de Catequistas, de Leigos missionários, numa tentativa constante de promover a comunhão eclesial, de modo que o fenómeno da “inter-culturalidade” possa também integrar-se num modelo de unidade em que o Evangelho seja fermento de liberdade e progresso, fonte de fraternidade, humildade e paz (cf. Ad Gentes, 8). A Igreja “é em Cristo como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano” (Lumen Gentium, 1).

A comunhão eclesial nasce do encontro com o Filho de Deus, Jesus Cristo, que, no anúncio da Igreja, chega aos homens e cria comunhão com Ele mesmo, com o Pai e o Espírito Santo (cf. 1Jo 1,3). Cristo estabelece a nova relação entre o homem e Deus. “Ele nos revela que «Deus é amor» (1Jo 4, e nos ensina ao mesmo tempo que a lei fundamental da perfeição humana e, portanto, da transformação do mundo, é o novo mandamento do amor. Dá, assim, aos que acreditam no amor de Deus, a certeza de que o caminho do amor está aberto para todos e que o esforço por estabelecer a universal fraternidade não é vão” (Gaudium et Spes, 38).

Uma Igreja autenticamente eucarística é uma Igreja missionária

A Igreja torna-se “comunhão” a partir da Eucaristia, em que Cristo, presente no pão e no vinho, com o seu sacrifício de amor edifica a Igreja como seu corpo, unindo-nos a Deus uno e trino e entre nós (cf. 1Cor 10,16s).

Na Exortação Apostólica “Sacramentum Caritatis” escrevi: “Não podemos reservar para nós o amor que celebramos no Sacramento. Faz parte da sua própria natureza ser comunicado a todos. Aquilo de que o mundo tem necessidade é do amor de Deus, é de encontrar Cristo e acreditar Nele” (nº 84). Por isso, a Eucaristia é fonte e ápice não só da vida da Igreja, mas também da sua missão: «Uma Igreja autenticamente eucarística é uma Igreja missionária» (ibid.), capaz de levar todos à comunhão com Deus, anunciando com convicção: “o que vimos e ouvimos, nós agora o anunciamos a vocês, para que estejam em comunhão connosco” (1Jo 1,3).

Caríssimos, neste Dia Mundial das Missões, que nos leva a estender o olhar do coração sobre os imensos espaços da missão, sentimo-nos todos protagonistas do compromisso da Igreja em anunciar o Evangelho. O impulso missionário sempre foi sinal de vitalidade para as nossas Igrejas (cf. Encíclica Redemptoris Missio, 2) e a cooperação de umas com as outras é um testemunho singular de unidade, fraternidade e solidariedade, e que torna credíveis os anunciadores do Amor que salva!

Gestos de amor e de partilha

Renovo, portanto, a todos o convite à oração, ao compromisso de ajuda fraterna e concreta em apoio às jovens Igrejas, não obstante as dificuldades económicas. Tal gesto de amor e de partilha, implementado pelo precioso serviço das Obras Missionárias Pontifícias, às quais manifesto a minha gratidão, vai ajudar à formação dos sacerdotes, seminaristas e catequistas nas mais distantes terras de missão e dar coragem às jovens comunidades eclesiais.

Como conclusão desta mensagem anual para o Dia Mundial das Missões, desejo expressar, com particular afecto, o meu reconhecimento aos missionários e às missionárias que testemunham nos lugares mais distantes e difíceis, muitas vezes também com a vida, o advento do Reino de Deus. Para eles, que representam a vanguarda do anúncio do Evangelho, peço a amizade, a proximidade e o apoio de todo os fiéis. “Deus, (que) ama quem dá com alegria” (2Cor 9,7) vos encha de fervor espiritual e de profunda alegria.

Nova maternidade apostólica e eclesial

Como o “sim” de Maria, toda a resposta generosa da Comunidade eclesial ao convite divino para amar os irmãos, suscitará uma nova maternidade apostólica e eclesial (cf. Gl 4,4.19.26); esta, abrindo-se à surpresa do mistério de Deus amor, o qual, “ao chegar a plenitude dos tempo… enviou o seu Filho, nascido de uma mulher” (Gl 4,4), será fonte de confiança e de audácia para os novos apóstolos. Tal resposta tornará todos os fiéis capazes de serem “alegres na esperança” (Rm 12,12) ao realizarem o projecto de Deus, que deseja “a congregação de todo o género humano no único povo de Deus, a sua união no único corpo de Cristo, a sua edificação no único templo do Espírito Santo” (Ad Gentes, 7).

Vaticano, 6 de Fevereiro de 2010

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

XXIX Domingo do tempo Comum


A fé não é autêntica nem se mantém
se não se alimentar, amadurecer e crescer,
tanto pela oração como pelo necessário compromisso
com o mundo, com a vida e com a justiça.
A fé é um dom e uma tarefa.
Talvez não unamos com frequência fé e justiça.
Talvez nos seja mais fácil unir fé e sacramentos,
fé e actos de piedade, fé e religião.
Talvez precisemos de convencer-nos
de que o fundamental da fé é a justiça.

“Não se pode viver a fé
sem um compromisso com a justiça” (Pedro Arrupe)

domingo, 10 de outubro de 2010

XXVIII Domingo do tempo Comum


Introdução:
Vivemos num mundo em que a vida humana ficou transformada num grande comércio, onde quase tudo se compra, vende, paga ...
Diante dessa realidade, muitos perderam o valor da GRATUIDADE e da GRATIDÃO.
A libertação, a cura que Jesus põe em marcha é a sua própria pessoa: o seu amor apaixonado pela vida, o seu acolhimento entranhável por cada enfermo, a sua força para regenerar a pessoa a partir das suas raízes, a sua capacidade de contagiar a sua fé na bondade de Deus…
A cura que suscita a chegada do reino de Deus é gratuita, e assim a terão que oferecer também os seus discípulos”.
No evangelho de hoje, Jesus fala-nos da compaixão, da gratuidade do agradecimento…

Reflexão: Lc 17,11-19
Os judeus desprezavam os leprosos, consideravam-nos impuros, tanto legal como religiosamente, e eram expulsos da comunidade civil e do culto. Deviam viver em lugares isolados, para não contaminar as outras pessoas. Sofriam marginalização moral, social e religiosa.
Os leprosos judeus admitem no seu grupo um leproso samaritano. A dor irmana-os.
Jesus aproxima-Se deles e eles aproximam-se de Jesus, apesar do impedimento da lei.
Todos imaginamos que o encontro com Jesus foi benéfico para eles.
Suscitamos, nós cristãos, nas pessoas marginalizadas e rejeitadas, a confiança e a esperança que encontravam em Jesus? Aproximamo-nos delas? Com que atitude?

A cura dos 10 leprosos não se realiza logo, mas enquanto iam a caminho.
O Evangelho de hoje mostra o contraste entre a lei e a fé. Dos dez leprosos, nove limitam-se a cumprir a lei, permanecem no velho e caduco sistema de vida anterior.

O seu coração não mudou.
Só um deles, o impuro e pagão, vê que está curado, não necessita que ninguém certifique a sua cura, interrompe o velho caminho para o templo, converte-se e volta glorificando a Deus e agradecendo-lhe!

Jesus disse ao samaritano que tinha sido curado:
“ Levanta-te e segue o teu caminho; a tua fé te salvou”. Jesus não diz: “Eu te salvei”.
A fé, que vê e agradece, torna possível a cura integral.
As palavras de Jesus “levanta-te”, “põe-te em pé”, são um convite ao seu seguimento.
Como o samaritano, devemos “levantar-nos e andar”, actuar de acordo com o amor gratuito recebido, mostrando-o, de maneira especial, a todas as pessoas que o sistema social e religioso rejeita e marginaliza.
P. Hermínio Vitorino, s.j. (Adaptação)

ORAÇÃO DE UMA LEPROSA
Tu, Senhor, vieste, pediste-me tudo e eu tudo Te entreguei.
Gostava de ler, e agora estou cega.
Gostava de passear pelo bosque
e agora as minhas pernas estão paralisadas.
Gostava de apanhar flores, sob o sol da primavera,
e agora não tenho mãos.
Olha, Senhor, como ficou o meu corpo, outrora tão belo.
Mas não me revolto.
Dou-Te graças. Dar-Te-ei graças por toda a eternidade, porque,
se morrer esta noite, sei que a minha vida foi maravilhosamente plena.
Vivi o Amor e fiquei muito mais cheia de tudo
quanto o meu coração pôde ansiar.
Pai, que bom foste com a tua pequen Verónica..!
Esta noite, Amor meu, Te peço pelos leprosos do mundo inteiro.
Peço-Te, sobretudo, por aqueles a quem a lepra moral abate,
destrói, mutila e destroça.
É sobretudo a eles que eu amo e pelos quais me ofereço em silêncio,
porque são meus irmãos e irmãs.
Ofereço-Te a minha lepra física para que eles não conheçam o tédio,
a amargura e a frieza da lepra moral.
Sou tua filha, meu Pai;
leva-me pela mão como uma mãe leva o seu filhito.
Aperta-me contra o teu coração como um pai faz com o seu filho.
Faz-me entrar no abismo do teu coração, para habitar nele,
com todos aqueles que amo, por toda a eternidade.
Verónica

sábado, 9 de outubro de 2010

Os jesuítas e a implantação da República

Após a expulsão pombalina de 1759, os jesuítas só voltaram a Portugal em 1829, numa curta permanência interrompida em 1834, desta vez da responsabilidade do governo liberal. O ano de 1858 assistiu um novo reinício, com a abertura do Colégio de Campolide, em Lisboa, por iniciativa do P. Carlos Rademaker, figura central do regresso da Companhia de Jesus a Portugal. Consolidada gradualmente esta presença, a Província Portuguesa da Companhia de Jesus foi oficialmente restaurada em1880, quando os seus membros eram 137: 49 sacerdotes, 38 irmãos e 50 estudantes.

Em 1910, ano da implantação da República, a Província Portuguesa contava com 360 jesuítas, dos quais 147 eram sacerdotes, 112 irmãos e 101 estudantes. Todas as actividades que desenvolviam, nomeadamente na educação, formação espiritual, investigação científica, publicações e missões, foram interrompidas violentamente quando, em Outubro de 1910, pela terceira vez na sua história em Portugal, a Companhia de Jesus foi perseguida e privada dos seus bens, vendo
todos os seus membros desterrados.

O ambiente que propiciou a expulsão, mal a República foi instaurada, tinha lançado raízes muito antes. O centenário da morte do Marquês de Pombal, em 1882, havia sido convenientemente aproveitado para uma campanha contra a Companhia de Jesus e ligas anti-jesuíticas tinham-se formado por todo o País, na sequência de outros ataques à Igreja. Em 1901, o governo pretendeu regular a presença dos institutos religiosos, determinando que nenhuma associação de carácter religioso pudesse funcionar sem prévia autorização do governo, ao qual deveriam ser apresentados os estatutos pelos quais a associação pretendesse reger-se. Nesta contingência, as comunidades religiosas trataram de organizar estatutos em conformidade com as indicações governamentais. As casas da Companhia de Jesus, em Portugal e nas missões, passaram a funcionar como estabelecimentos da Associação Fé e Pátria e os respectivos estatutos foram aprovados e publicados no Diário do Governo. Esta cobertura legal revelou-se, no entanto, insuficiente. Em Lisboa, os jornais O Século, O Dia e O Mundo, e, no Porto, O Primeiro de Janeiro ecoavam a campanha contra os jesuítas o que levou o P. Luís Gonzaga Cabral, Provincial, a advertir os seus súbditos para o perigo iminente, em carta de 8 de Setembro de 1910. Dias depois, começaram, por ordem do governo, inquéritos em diversas casas: Noviciado do Barro, Colégio de Campolide e comunidade da Rua do Quelhas, em Lisboa, que foi dissolvida a 3 de Outubro de 1910. O corolário foi já da responsabilidade do governo provisório da República que, a 8 de Outubro de 1910, restaurou a lei pombalina de 3 de Setembro de 1759. Alguns jesuítas conseguiram de imediato refugiar-se em Espanha mas muitos outros foram encarcerados. Depois de algumas semanas na prisão, no dia 4 de Novembro de 1910, estava consumada, mais uma vez, a expulsão dos jesuítas de Portugal.

A política do P. Luís Gonzaga Cabral, após a expulsão, teve duas vertentes: em primeiro lugar, conservar na Europa o núcleo central da Província, constituído pelas casas de formação e algumas residências; em segundo lugar, reforçar o pessoal da missão de Goa, cujas casas se podiam manter por se encontrarem em território de domínio inglês; ao mesmo tempo, procurou novos campos de actividade, principalmente no Brasil, onde foi fundada a missão do Brasil Setentrional com sede em Salvador da Baía. Significativamente, o exílio não foi impedimento para que a Província Portuguesa da Companhia de Jesus mantivesse e até aumentasse os seus efectivos: eram 380, em 1925, com 179
sacerdotes, 84 irmãos e 117 estudantes.

Passado o ímpeto persecutório, começaram a reabrir-se cautelosamente, em Portugal, algumas residências: Póvoa de Varzim, em 1923; Lisboa e Braga, em 1925; Porto, em 1927; e Covilhã; em 1929. As casas de formação e o Instituto Nun’Alvres, então em La Guardia, na Galiza, regressaram em 1932. A Constituição de 1933 e o decreto de 12 de Maio de 1941 que, na sequência da Concordata de 1940, reconheceu a Companhia de Jesus como corporação missionária, viriam normalizar a situação jurídica dos jesuítas em Portugal que, ao longo dos anos quarenta e cinquenta, se fixaram nos locais que, substancialmente, ainda hoje mantêm.
Padre Nuno da Silva Gonçalves S.J.