domingo, 30 de março de 2014

IV Domingo da Quaresma


«Eu creio, Senhor». (Jo 9, 38)

Jesus toca os olhos ao cego e o cego passa a viver de uma luz nova. Nascera assim. Mas, como se não bastasse ter que viver privado de luz, de cores e de formas, pesava sobre si uma terrível culpa. Desde cedo lhe disseram que era cego porque alguém tinha pecado. Ele próprio? Os seus pais? Os seus avós? Alguém, seguramente.
“Isto não tem nada que ver com os pecados dele ou dos pais”, é Jesus quem o assegura. Porque a glória do Senhor manifesta-se, não em qualquer forma de castigo, mas quando a luz volta a brilhar para quem dela ficou privado e quando, quem deixara de ouvir, pode apreciar, de novo, o gosto das palavras; manifesta-se quando os paralíticos reaprendem a viver de pé e as pessoas de má vida recuperam a própria dignidade; quando os tristes retomam confiança e os desesperados reencontram um novo horizonte. Na verdade, o desejo mais íntimo de Deus é que, para cada homem e para cada mulher que venha a este mundo, a vida brilhe e brilhe muito.  
Jesus toca o cego. E este, profundamente tocado, ajoelha-se e confessa: “Eu creio, Senhor”. Agora, sim, pelo dom da fé, recupera plenamente a vista. Pode levantar-se com confiança e apreciar a vida e o mundo, reflexos extraordinários da beleza divina. 
  Que nesta Quaresma o Senhor nos conceda a graça de nos abrir os olhos, para podermos dizer, como o cego “Só sei uma coisa: eu era cego e agora vejo!” (Jo 9, 25)


                            P. J. Frazão, sj (adaptação)

sábado, 22 de março de 2014

III Domingo da Quaresma

Sierger Koder
 «Dá-me de beber» (Jo 4, 10)

Milagre é o encontro entre duas pessoas. Tão necessário como a água; tão precioso como os poços no deserto. É este o milagre que vemos acontecer no encontro de Jesus com a Samaritana, à beira do poço.
É pelo reconhecimento recíproco que a água vai jorrando. Jorra a Vida pela vida de um e de outro: a vida incerta da mulher e a vida de que Jesus vive, da qual a Samaritana quererá beber. 
Onde se revela Deus, aqui, senão no espaço de hospitalidade que acontece entre a sede de um e a água do outro? E o que há entre eles senão o poço do reconhecimento? Porque se sente acolhida no que é – não tem que fingir ser quem não é –, a mulher da Samaria reconhece todo o dom de Deus. Chega ao reconhecimento de quem é Jesus. N’Ele, reconhece todo o dom de Deus, fonte inesgotável de água que mata todas as sedes.                  
As circunstâncias e as ocasiões – um poço ao meio dia, um copo de água, uma refeição ao entardecer, lugares comuns do nosso quotidiano, que poderão ser o lugar no qual reconhecemos Aquele em quem e por quem Jesus vive. Entre nós, revela-se a Vida, fonte da qual brotam as águas, saciedade à qual suspiram as sedes.
Que cada um, na sua experiência concreta de vida, possa aprender a perder o medo e a deixar-se amar. Antes de mais, por Deus, “fonte da qual brotam as águas; sol do qual brilham os raios”. É d’Ele que brota a vida pela qual ansiamos.

 (padre J. F. sj . adapt.)

quarta-feira, 19 de março de 2014

Tomada de posse - Provincial dos Jesuitas



No dia de São José, 19 de março, o P. José Frazão Correia tomou posse como Superior Provincial dos jesuítas em Portugal, na Eucaristia celebrada na Igreja do Colégio São João de Brito, presidida pelo seu antecessor, P. Alberto Teixeira de Brito. 
O novo Provincial sublinhou a centralidade de Jesus na vida de todos, de modo particular na vida desta Companhia que tem o Seu nome, que indica a pertença a Jesus e ao Seu modo de proceder, sublinhando também a importância da abertura à Graça, "ao sobressalto da Graça, aos caminhos inéditos que se abrem". Manifestou a sua intenção de viver a simplicidade e grandeza do Evangelho convidando a que todos dediquemos ao Evangelho o melhor de nós mesmos, "tudo para a Glória do Senhor e o bem dos irmãos. Terminou com a leitura de um poema de Daniel Faria: Este é o dia novo. Sei-o pelo desejo.

Este é o dia novo. Sei-o pelo desejo

Este é o dia novo. Sei-o pelo desejo
De o transformar. Este é o dia transformado
Pelo modo como apoio este dia no chão.
Coloco-o na posição humilde dos meus joelhos na terra
Abro-o com os olhos que retiro de todas as coisas quando os fixo
Na atenção.

E fico atento, fico deitado porque não sei crescer
Num terreno que se levante.
Cresço na clareira de um homem que é uma palavra
Na sua túnica inteira
Porque este é o sítio do dia sem horário
Sem divisões

E ponho-me de frente no seu lado,
Nos seus braços abertos para me unir
E entro pelo lado aberto e ardo – como Elias
Em chamas subindo para o céu.

Faria, Daniel, Poesia, Vila Nova de Famalicão:Quasi, 2003



domingo, 16 de março de 2014

II Domingo da Quaresma

          «Este é o meu Filho muito amado.
Escutai-o» (Mt 17, 5)

A Transfiguração manifesta a profunda e maravilhosa realidade de que somos co-herdeiros na glória dos fi- lhos de Deus.  
A luminosidade do Tabor projecta uma luz sobre as sombras do nosso mundo, as nossas faltas de esperança e aponta para um sol sem ocaso. A visão do Tabor é uma experiência aberta a cada um de nós, quando estamos em sintonia com o nosso ser mais íntimo: Deus. É uma iluminação, um vislumbre do nosso verdadeiro destino.
Jesus sobe ao monte. Leva consigo Pedro, Tiago e João. Lá, aqueles discípulos - e nós, com eles – podem ver Jesus como “o mais belo entre os filhos do homem”.  
Envolvidos por uma grande luz, ouvem do céu uma voz que diz: “este é o meu Filho muito amado” e profundamente tocados por este rosto transfigurado reconhecem que é bom estar ali.
Sim, será muito bom estar ali. Também para nós.
Na montanha, perto de Deus, embora cansados da viagem da vida, Jesus convida-nos também a olhar para cima, para Ele, a vê-lo como o Senhor que tem poder sobre o sofrimento e a morte.    
Mas como será e onde quereremos estar quando o Seu rosto, desfigurado pelo sofrimento, nos fizer desviar o olhar? Seremos capazes de suportar o silêncio do céu e a intensidade desse grito “meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”.
O rosto transfigurado de Jesus revela-nos, hoje, que, entre todos, é o mais belo. O seu rosto desfigurado revelar-nos-á, amanhã, que é o mais belo porque dá a sua vida por todos. A beleza está na entrega. Jesus sobe, porque aceita descer; brilha, porque aceita apagar-se.

(p. J.F. sj e Rina Risitano “in a Loucura de Deus”
‘adaptações'

Pintura Sierger Koder



terça-feira, 11 de março de 2014

A Espiritualidade Inaciana como inspiração

ENCONTROS COM A ESPIRITUALIDADE INACIANA


S. Inácio vê uma bondade intrínseca em todas as manifestações do mundo visível. Para ele, não existe um dualismo entre homem e natureza, pois tudo é pensado e sentido globalmente a partir de Deus.
A originalidade de S. Inácio está em “olhar” a Criação a partir de Deus, “com os olhos do Amor”. A partir de Deus, o ser humano encontra seu lugar e sua relação com a natureza. Respeitando a singularidade de cada criatura e de seu estado vegetativo, sensitivo e racional, a beleza de Deus se faz presença, se visibiliza...
O olhar contemplativo sobre a realidade, ativa em nós o assombro, a admiração, o espanto. Diante da sacralidade da vida e do ser humano, diante das maravilhas do universo, o assombro é a única atitude condigna.
As criaturas existem e são sustentadas pela força omnipotente de Deus.

Pe. Renato, SJ 
Ciclo de Espiritualidade - Manaus


domingo, 9 de março de 2014

I Domingo da Quaresma

Sandro Botticelli

«Nem só de pão vive o homem, mas de toda
 a palavra que sai da boca de Deus»  (Mt 4,4)

Antes de dar início à sua vida pública, Jesus, retira-se para o deserto. É o lugar do silêncio e da compreensão das coisas à luz de Deus. Ali se purificam os desejos e se fortalece a vontade.
Jesus reza. Jejua. A sobriedade o ajudará a ter presente o essencial da sua vida, a vontade do Pai.
Mas o silêncio pode ser duro, ser filho não é ter tudo do Pai? E Jesus é tentado e posto à prova.
 “Se és Filho de Deus…” Apodera-te, usa para ti mesmo as coisas, tira proveito.
“Se és Filho de Deus…”  Exibe-te, brilha, faz-te admirar por todos.
“Tudo isto te darei se…” Domina, conquista o poder, vende a tua filiação.
O Evangelho abre-nos uma janela para o coração de Jesus, confrontado na sua filiação. O fascínio do ter, da glória e do poder, também o tocaram como uma possibilidade. Porém, Jesus não cede ao encanto do mais fácil.
Ser Filho é receber até ao fim o pão e a vida que o Pai lhe der, é viver o amor que gera vida, não é exibição de si mesmo. E então reafirma que só Deus é tudo! Não quer outro caminho. E não haverá cedências. Antes perder a vida.
Será possível viver assim, como Jesus? Pobreza, humildade, serviço: não é opção para fracos? Não será excessiva ingenuidade, num mundo tão “esperto”? Sim, parece difícil. Mas o Senhor mostra-nos que é possível. E repete-nos, uma e outra vez: “quem quiser seguir-me…” Que este tempo de Quaresma nos mostre o caminho do deserto, onde Jesus nos dará o pão da Palavra e do silêncio, onde o coração saberá encontrar o silêncio que regenera e reinventa a vida. Lá, o silêncio fará de cada coração uma fonte de onde pode jorrar a verdade de Deus.
           
  (P. J.F. sj - adaptação) 

quinta-feira, 6 de março de 2014

Da Quaresma à Páscoa


Quarta-feira de Cinzas: És pó e ao pó voltarás «És pó e ao pó voltarás» (Génesis 3,19).

Quando? Amanhã? No próximo ano? Daqui a 20 anos? Que importa... Esse grão de pó sobre a tua cabeça é o teu destino inelutável. Por isso emprega bem os teus curtos anos, converte-te, volta-te para Cristo, que só ele te pode dar perdão e vida.
É assim que começamos a Quaresma, tempo de conversão e austeridade, mas também tempo de uma alegria contida, a alegria de um coração purificado. Trata-se de nos prepararmos para as festas pascais. A Quaresma é o caminho para uma festa!
«Quando jejuardes, não mostreis um ar sombrio, como os hipócritas, que desfiguram o rosto para que os outros vejam que eles jejuam. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa» (Mateus 6,16).
Escutemos bem estas palavras e apliquemo-las como norma de conduta, não apenas na Quaresma mas em toda a nossa vida cristã, porque ela não é senão uma longa preparação para as festas pascais definitivas.
«Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que o teu jejum não seja conhecido dos homens, mas apenas do teu Pai que está presente no oculto; e o teu Pai, que vê no oculto, há de recompensar-te» (Mateus 6,17-18).
Que grandeza há no silêncio – não o silêncio nefasto da falta mas no da virtude, que é perfeito quando dele não se tem consciência – e que força se pode extrair dele. A alegria cristã é a simplicidade de uma fé, a seriedade de uma esperança, a vitalidade do amor.
Na Quaresma a liturgia despe-se dos seus aleluias e glórias, convidando-nos a um estreitamento de vida, a um despojamento do supérfluo, a um tempo de germinação escondida e profunda, iluminada sempre por uma esperança e uma espera. Ela convida-nos a entrar em nós mesmos para nos mergulhar nas fontes da vida, em Cristo. Ela incita-nos a reencontrar o nosso verdadeiro rosto num esforço de autenticidade e lucidez, na oração e na caridade, para que, modelados à imagem de Cristo, sejamos capazes de uma comunhão mais profunda no seu mistério.
Sim, porque o mistério de Cristo não é algo que esteja fora de nós; ele é o que nós somos e o que somos chamados a ser. O seu drama é o nosso. A nossa cruz não é outra que a de Cristo, é o seu amor em nós que a carrega. A nossa verdadeira vida é a vida do Ressuscitado em nós. Se a liturgia nos conduz pelos passos de Cristo é para nos ensinar o caminho que é também o nosso.
O drama que se evoca na Quaresma não é apenas a recordação de um acontecimento passado mas a atualização do drama de Cristo, aqui e agora, para nós, que nos coloca diante da opção decisiva da fé e do amor. Procuremos portanto estar em harmonia com o espírito da liturgia deste tempo e acolher a seiva de vida que nos oferece.

Um monge cartuxo  

Imagem: www.passo-a-rezar.net

domingo, 2 de março de 2014

VIII Domingo Comum - A

Olhai como crescem os lírios do campo


Mateus 6, 24-34 
Olhai para as aves do céu: não semeiam nem ceifam nem recolhem em celeiros; o vosso Pai celeste as sustenta. Não valeis vós muito mais do que elas? Quem de entre vós, por mais que se preocupe, pode acrescentar um só côvado à sua estatura?
E porque vos inquietais com o vestuário? Olhai como crescem os lírios do campo: não trabalham nem fiam; mas Eu vos digo: nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como um deles. Se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada ao forno, não fará muito mais por vós, homens de pouca fé?
Não vos inquieteis, dizendo: "Que havemos de comer? Que havemos de beber? Que havemos de vestir?" Os pagãos é que se preocupam com todas estas coisas. Bem sabe o vosso Pai celeste que precisais de tudo isso.

Procurai primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo. Portanto, não vos inquieteis com o dia de amanhã, porque o dia de amanhã tratará das suas inquietações. A cada dia basta o seu cuidado».

Menos coisas, mais coração

Jesus relança o seu desafio por outra maneira de ser pessoa: não vos preocupais com as coisas, há outra coisa que vale mais. É o desafio contido na oração do Pai-nosso: o pão nosso de cada dia nos dai hoje.
Pedimos-te apenas o pão suficiente para hoje, o pão que chega para o dia a dia, como o maná no deserto, não a ânsia de mais. É o desafio do monge: conheço mosteiros que vivem assim, como aves e como lírios, diariamente dependentes do céu. Mas este desafio é também para todos nós, cheios de coisas e temerosos do futuro.
Não podes servir Deus e a riqueza. Não é a riqueza que Jesus tem em mira – com efeito, entre os seus amigos havia pessoas ricas e pobres – mas o que ele chama, em aramaico, “mammona”, que «não é a riqueza em si, mas a que está escondida, é avara, fechada à solidariedade e é fonte de injustiça» (papa Francisco), que torna a pessoa escrava, que lhe absorve o tempo, os pensamentos, a vida.
Não valerá a vida mais do que o alimento e o corpo mais do que o vestir?
Ocupar-se menos das coisas e mais da vida verdadeira, que é feita de relacionamentos, conhecimento, liberdade, amor. Queres voar alto, como uma ave, queres florir na vida como um lírio? Então deves desfazer-te dos pesos. Madre Teresa de Calcutá costumava dizer: tudo o que não serve, pesa!
Menos coisas e mais coração: não uma renúncia, mas uma libertação. Das coisas, da “tralha” que comanda os pensamentos.
Olha as aves do céu… Olha os lírios do campo… se a ave tivesse medo porque amanhã pode chegar o falcão ou o caçador, deixaria de cantar, deixaria de ser uma nota de liberdade no azul.
Se o lírio temesse a tempestade que pode chegar amanhã, ou se se recordasse do temporal de ontem, nunca mais floresceria.
Jesus observa a vida, e a vida fala-lhe de confiança e de Deus. E diz-nos: felizes os puros de coração porque verão a Deus e descobrirão um altar onde se celebra a comunhão entre visível e invisível.
Por isso, não vos angustieis, aquela angústia que tira a respiração, para a qual não existe nem festa nem domingo, para a qual não há tempo para quem se ama, para contemplar uma flor, uma música, a primavera.
Procura antes de tudo o Reino de Deus e estas coisas ser-vos-ão dadas por acréscimo. Não é moralista o Evangelho, não se opõe ao desejo de alimento e vestuário, dizendo: é errado, é pecado, não serve; mas diz antes, tudo isto o tereis, mas a uma luz outra.
«O cristianismo não é uma moral mas uma perturbadora libertação» (Vannucci). Liberta dos pequenos desejos para desejar mais e melhor, para procurar o que faz voar, o que faz florir, e coloca-te em harmonia com tudo o que vive. Ensina uma relação confiante e livre contigo próprio, com o corpo, com o dinheiro, com os outros, com as criaturas mais pequenas e com Deus.
Não vos preocupeis. Mas como digo isto a quem não encontra trabalho, a quem não consegue chegar ao fim do mês, a quem não vê esperança para os filhos? A solução não é feita de palavras:
«Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano, e um de vós lhes disser:”Ide em paz, tratai de vos aquecer e de matar a fome», mas não lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará?» (Tiago 2, 15-16). Deus precisa das minhas mãos para ser Providência. Eu ocupo-me de outro, e então o Deus que veste as flores ocupar-se-á de mim.
Procura o reino, ocupa-te da vida interior, procura a paz para ti e para os outros, justiça para ti e para os outros, amor para ti e para os outros.
Menos coisas e mais coração! E encontrarás asas e liberdade.

Recolha de textos do P. Ermes Ronchi
© SNPC 

Restauração da Companhia de Jesus- 200 anos


Quarta feira de cinzas