domingo, 14 de setembro de 2008

Em Portugal


História

1. PRIMEIRO PERÍODO(1540-1759)

A vinda dos jesuítas para Portugal deve-se à iniciativa de D. João III a quem o Doutor Diogo de Gouveia, responsável pelo Colégio de Santa Bárbara em Paris, indicara a existência de um novo grupo de clérigos que considerava "aptos para converter toda a Índia". Sto. Inácio de Loiola acedeu ao convite do rei português e enviou para Portugal, em 1540, dois dos seus primeiros companheiros: o navarro Francisco Xavier e o português Simão Rodrigues. O primeiro partiu no ano seguinte para a Índia, enquanto o segundo ficou na Europa, lançando as bases da Província de Portugal, erecta como primeira província de toda a Ordem em 1546.

Graças a numerosos benfeitores, com destaque para a família real, o crescimento da Companhia de Jesus em Portugal foi extraordinariamente rápido. Em 1542, foi fundado o Colégio de Jesus, em Coimbra, para formação dos membros mais novos da Ordem. Seguiu-se-lhe, em 1551, em Évora, o Colégio do Espírito Santo e, em 1553, a casa professa de S. Roque, centro das actividades apostólicas na capital. O primeiro colégio em que os jesuítas deram aulas públicas foi o de Santo Antão, em Lisboa, inaugurado em 1553. Em 1559, foi fundada a Universidade de Évora e, progressivamente, a actividade pedagógica dos jesuítas foi-se estendendo às principais cidades do País: Braga(1560); Bragança(1561); Funchal(1570); Angra(1570); Ponta Delgada(1591); Faro(1599); Portalegre(1605); Santarém(1621); Porto(1630); Elvas(1644), Faial(1652); Setúbal(1655); Portimão(1660); Beja(1670); Gouveia(1739).

A par da abertura de novas casas, o número de jesuítas em Portugal foi quase sempre aumentando: eram 400, em 1560; 620, em 1603; 662, em 1615; 639, em 1639; 770, em 1709; 861, em 1749; 789, em 1759.

Os jesuítas portugueses foram educadores, confessores e pregadores dos reis e da corte mas dedicaram-se com igual entusiasmo a um vasto leque de outras tarefas. A comprová-lo está o apelativo de "apóstolos" que desde cedo mereceram pela dedicação ao ensino do catecismo e pela abnegação com que se entregaram aos ministérios sacerdotais e a obras caritativas. Ocupavam-se dos encarcerados, visitavam os hospitais, assistiam os condenados à morte e, indiferentes aos perigos, excediam-se em generosidade por ocasião de epidemias e calamidades.

No campo da educação, chegaram a dirigir 30 estabelecimentos de ensino que formavam a única rede escolar orgânica e estável do País. O ensino era gratuito e aberto a todas as classes sociais porque a Companhia só aceitava iniciar uma nova escola quando existisse uma dotação ou fundação que assegurasse os meios necessários para o seu funcionamento. Em meados do século XVIII, o número total de alunos rondava os 20.000, numa população de 3.000.000 de habitantes.

A expansão em Portugal foi acompanhada desde o início por grande empenho missionário. Em 1542, S. Francisco Xavier desembarcou em Goa com dois companheiros e, depois de percorrer vastas regiões da Índia, esteve em Malaca e nas Molucas, chegando ao Japão em 1549. Veio a falecer em 1552, quando se preparava para entrar na China. A evangelização do Oriente continuou, a cargo de sucessivas levas de missionários que diversificaram as regiões alcançadas: Macau(1565); império do Grão Mogol(1579), China(1583), Pegu e Bengala(1598), Cochinchina(1615), Cambodja(1616), Tibete(1624), Tonquim e Sião(1626), Laos(1642).

Em África, os jesuítas estavam no Congo, em 1547, e em Angola, em 1560; em 1557, chegavam à Etiópia e, em 1560, penetraram em Moçambique, na região do Monomotapa. Em 1604, iniciaram a missão de Cabo Verde donde passaram à Guiné e Serra Leoa.

A primeira expedição ao Brasil, em que ia como superior o P. Manuel da Nóbrega, data de 1549 e foi seguida por numerosas levas de missionários.

Contabilizando todas estas expedições, chegamos a 361, distribuídas por 215 anos, sendo 75 no século XVI, 190 no século XVII e 96 no século XVIII, numa média de 16 missionários enviados cada ano. Nas regiões novamente evangelizadas foram-se formando novas províncias ou vice-províncias que, juntamente com a Província de Portugal, formavam a denominada Assistência de Portugal que, em 1759, contava 1698 jesuítas, dos quais 789 estavam na Europa e os restantes espalhados pelo mundo.

Inseridos no Padroado português, os religiosos da Companhia partilharem espontaneamente a mentalidade da época, segundo a qual o apoio das autoridades civis constituía o caminho mais seguro e eficaz para a cristianização. Ao mesmo tempo, contudo, sempre se dispuseram a ultrapassar sem receio as zonas directamente controladas pela administração portuguesa, tornando-se até exploradores de regiões inóspitas e desconhecidas. São quase lendárias as figuras do P. António de Andrade e do Ir. Bento de Góis: o primeiro viajou até ao Tibete, sendo o primeiro europeu a atravessar o Himalaia; o segundo foi o primeiro explorador português do caminho terrestre da Índia para a China através da Ásia Central.

A todas as regiões que missionaram, os jesuítas levaram a preocupação pedagógica que os caracterizava. Principalmente no Brasil, fundaram uma rede de colégios, seminários e escolas primárias e oficinais com ensino gratuito sustentado por explorações agro-pecuárias e outras propriedades legadas para património dos centros de ensino. No campo científico, os missionários da Companhia efectuaram observações que vieram enriquecer o conhecimento das regiões que percorreram. A linguística foi outro campo em que se tornaram beneméritos. A preocupação de aprender as línguas dos povos que evangelizavam levou-os a elaborar gramáticas e dicionários e a publicar obras de catequese e outras nas mais variadas línguas.

Em dois séculos de apostolado missionário, sofreram o martírio mais de 150 jesuítas portugueses. Entre eles, foi canonizado S. João de Brito, mártir no Maduré(Índia).

Toda esta actividade foi bruscamente interrompida por decisão de Pombal, em 1759, ao ser decretada a expulsão dos jesuítas de todos os territórios portugueses. As causas desta decisão parecem encontrar-se, sobretudo, em motivos de natureza ideológica e política. A Companhia de Jesus era um obstáculo ao projecto político que se pretendia implementar: um sistema que Carvalho e Melo considerava mais moderno, centralizado no Estado, mais fácil de controlar ad arbitrium principis. Era o sistema absolutista e regalista, iluminado, que Pombal queria impor sem escrúpulos quanto aos meios a usar e indiferente face à resistência das forças sociais do País.

Dominando o sistema de ensino, em Portugal e no Ultramar, vinculados por uma ligação especial a Roma e possuidores de um grande influxo cultural, os jesuítas formavam um corpo facilmente visto como ameaça para um sistema absolutista que ambicionava controlar todos os aspectos da vida social, incluindo uma Igreja mais submetida ao Estado. Se a esta moldura ideológica, juntarmos a apetência pelo património considerável na posse dos jesuítas, teremos reunidas as condições para o desencadear da perseguição. A campanha anti-jesuítica montada por Pombal levou à formulação de uma série de acusações publicitadas em toda a Europa em sucessivas edições da obra Dedução cronológica e analítica. Entre essas acusações, encontravam-se: a resistência dos jesuítas à aplicação do Tratado de Madrid, celebrado entre Portugal e a Espanha para a delimitação de fronteiras na América do Sul; a oposição, no Brasil setentrional, às leis que regulavam a administração das aldeias de índios; o exercício de actividades comerciais proibidas a religiosos; a decadência dos jesuítas portugueses; a difamação do rei no estrangeiro; e a participação pelo menos moral no atentado contra D. José e na revolta popular do Porto ocorrida em 1757. Apesar deste acervo de acusações, o único jesuíta a ser objecto de julgamento formal foi o P. Gabriel Malagrida, italiano, acusado de heresia e condenado à morte, em 1761, num processo que aproveitou a debilidade mental de um ancião enfraquecido e já transtornado.

Os meios usados para a expulsão foram implacáveis. No total, cerca de 1100 jesuítas foram desembarcados nos Estados Pontifícios; morreram nas prisões cerca de 70 e uns 40 durante as viagens; encontravam-se ainda 45 encarcerados em S. Julião da Barra quando, em 1777, foram libertados, após a queda de Pombal.

A luta de Pombal contra a Companhia de Jesus não se limitou aos domínios da Coroa portuguesa. Prolongou-se, em conjunto com as cortes bourbónicas, até alcançar o fim pretendido: a extinção da Companhia de Jesus, em 21 de Julho de 1773, por breve do papa Clemente XIV.

2. SEGUNDO PERÍODO(1829-1834)

A 7 de Agosto de 1814, a Companhia de Jesus foi restaurada pelo papa Pio VII. No entanto, só por iniciativa do governo de D. Miguel, é que os jesuítas regressaram de novo a Portugal. Em Agosto de 1829, chegaram a Lisboa oito jesuítas que traziam como superior o P. Filipe José Delvaux, belga. Abriram um noviciado e iniciaram actividades apostólicas entre a população da capital e dos arredores. Em 1832, D. Miguel entregou-lhes o Colégio das Artes, em Coimbra, mas, devido à guerra civil, as aulas só tiveram início em Fevereiro do ano seguinte. A 9 de Maio de 1834, o exército liberal ocupou Coimbra e os jesuítas foram presos e escoltados até Lisboa. Estiveram presos no forte de S. Julião da Barra até serem embarcados para Itália. Igual sorte tinham já sofrido os jesuítas de Lisboa quando, em Julho de 1833, D. Pedro IV entrou na capital e os mandou embarcar em navios para Itália e Inglaterra.

Para além do reinício de actividades educativas e pastorais que não tiveram continuidade, este período de regresso efémero, que contou com a presença de 24 jesuítas, ficou também marcado pelo empenho dos religiosos na assistência aos feridos da guerra civil e às vítimas da epidemia de cólera ocorrida em 1833. Sob o ponto de vista legal, é de referir o decreto de 30 de Agosto de 1832 que restabelecia oficialmente a Companhia de Jesus, em termos que, embora não revogassem completamente o conteúdo dos decretos pombalinos, o P. Delvaux não hesitou em classificar de "verdadeiro prodígio".

PERÍODO(1848-1910)

O protagonista do segundo regresso dos jesuítas a Portugal foi o português Carlos João Rademaker, entrado na Companhia de Jesus em Itália, em 1846. Tendo vindo para Portugal, foi encarregado de trabalhar em prol da restauração da Província Portuguesa. Nesse sentido, em 1858, deu início ao colégio de Campolide, contando com a colaboração de mais dois jesuítas: o Ir. Martinho Rodrigues, sobrevivente da missão do tempo de D. Miguel e um irmão espanhol. Nos anos seguintes, foram-se juntando novos elementos, vindos principalmente de Itália, e abriu-se o noviciado, no lugar do Barro, perto de Torres Vedras. Em Setembro de 1863, constituiu-se oficialmente a Missão Portuguesa que teve como primeiro superior o P. Francisco Xavier Fulconis, italiano. No Outono desse mesmo ano, os jesuítas encarregaram-se do Orfanato de S. Fiel, na Beira Baixa, que transformaram em colégio de renome.

No início de 1880, a Missão contava nove comunidades com 137 jesuítas. Estavam reunidas as condições para que fosse restaurada a Província Portuguesa da Companhia de Jesus, o que veio a acontecer por decisão do P. Geral Pedro Beckx, em decreto de 25 de Julho desse ano.

Os dois colégios, Campolide e S. Fiel, além de importantes como estabelecimentos de ensino, tornaram-se também centros de intensa actividade científica. Em S. Fiel, foi fundada em 1902 a revista Brotéria, assim denominada em homenagem ao naturalista português Avelar Brotero. Eram os professores dos colégios que dirigiam a revista, publicando nas suas páginas artigos de investigação, com destaque para as áreas da botânica e zoologia. Entre esses sábios, são de recordar Joaquim da Silva Tavares, Cândido Mendes de Azevedo, Carlos Zimmermann, Afonso Luisier, Camilo Torrend e António de Oliveira Pinto. Outros nomes são dignos de referência pela sua acção apostólica: Carlos Rademaker, Bento Schettini, Luís Gonzaga Cabral, António de Menezes e Alexandre Castelo.

No campo missionário, importa lembrar, principalmente, a difícil missão da Zambézia para onde foram enviados, entre 1880 e 1910, 118 jesuítas, dos quais 41 ali morreram. Também a Índia, Macau e Timor foram objecto do zelo missionário dos jesuítas da Província de Portugal. Toda esta actividade foi interrompida violentamente, em Outubro de 1910, quando, pela terceira vez na sua história em Portugal, a Companhia de Jesus foi de novo expulsa e espoliada dos seus bens. O ambiente de perseguição que já se manifestara nos últimos anos da monarquia teve como corolário a decisão do governo provisório da República que, a 8 de Outubro de 1910, restaurou a lei pombalina de 1759. Depois de algumas semanas na prisão, no dia 4 de Novembro de 1910 estava consumada a expulsão dos jesuítas de Portugal. Os membros da Província Portuguesa eram, então, 360.

4º PERÍODO: DO EXÍLIO À ACTUALIDADE

Consumada a expulsão, a política do P. Luís Gonzaga Cabral, provincial, teve duas vertentes: em primeiro lugar, conservar na Europa o núcleo central da Província, constituído pelas casas de formação e algumas residências; em segundo lugar, reforçar as missões da Índia que, por se encontrarem em território inglês, podiam ser mantidas e, simultaneamente, procurar novos campos de actividade, principalmente no Brasil.

Depois de terem encontrado abrigo temporário na Holanda e na Bélgica, as principais casas estabeleceram-se em Espanha: o noviciado, juniorado e filosofado em Santa Maria de Oya, na Galiza; o colégio para alunos portugueses em La Guardia, no lado espanhol da foz do rio Minho; a Escola Apostólica em S. Martinho de Trebejo(Cáceres); a redacção da Brotéria e do Mensageiro do Coração de Jesus em Pontevedra.

O exílio não foi impedimento para que a Província Portuguesa mantivesse e até aumentasse os seus efectivos: eram 380, em 1925, com 179 sacerdotes, 84 irmãos e 117 estudantes. Passado o ímpeto persecutório, começaram a reabrir-se cautelosamente, a partir de 1923, algumas residências em Portugal. As casas de formação e o colégio de La Guardia regressaram em 1932. A Constituição de 1933, abolindo as leis de excepção por motivos religiosos, e o decreto de 12 de Maio de 1941, reconhecendo a Companhia de Jesus como corporação missionária, normalizaram a situação jurídica dos jesuítas em Portugal.

Ao longo dos anos quarenta e cinquenta, os principais centros da presença dos jesuítas adquiriram a localização que, substancialmente, ainda mantêm. Nos anos setenta, apesar da diminuição de efectivos, incrementou-se a presença ao Sul do Tejo com a inserção em zonas operárias ou carenciadas onde os jesuítas se responsabilizaram por várias paróquias: Portimão, Mexilhoeira Grande, Santo André, Corroios, Paio Pires, Pragal e Charneca da Caparica.

Em paralelo com o que acontecera em tempos mais distantes, os últimos decénios viram os jesuítas portugueses ocupados num amplo leque de actividades: educação e ensino, formação espiritual, trabalho paroquial, missões, meios de comunicação social, presença na cultura e na investigação. Como no passado, surgiram figuras de relevo em vários campos do conhecimento: Luís Gonzaga de Azevedo, Francisco Rodrigues, Serafim Leite, Domingos Maurício e Mário Martins, na História; Eugénio Jalhay, na Arqueologia; João Mendes e Manuel Antunes, na Literatura e na Cultura Clássica; António Durão, António de Magalhães, Paulo Durão, Diamantino Martins, Cassiano Abranches e Júlio Fragata, na Filosofia. A Brotéria continuou a ser publicada regularmente, tanto na série científica como na cultural, e surgiram novas revistas de investigação: Revista Portuguesa de Filosofia, Economia e Sociologia e Revista Portuguesa de Humanidades. A publicação da Verbo. Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura resultou da colaboração entre a Editorial Verbo e as instituições culturais da Companhia de Jesus.

No campo missionário, a Índia Portuguesa contou sempre com a presença de jesuítas enviados de Portugal, até à anexação pela União Indiana, em 1961. A Macau, os jesuítas regressaram em 1930; em 1941, estavam de novo em Moçambique e, em 1961, em Timor. Em Angola, teve início o movimento Afris cujos estatutos foram aprovados em 1963. Foi sobretudo em Moçambique que a acção missionária teve maior incremento, ali trabalhando, em 1974, 78 jesuítas.

A descolonização abalou profundamente a missionação, ocasionando perseguições, a destruição e ocupação de muitas estruturas materiais e o regresso à Europa de muitos missionários. Superados os tempos mais difíceis, criaram-se condições para um renascimento missionário baseado numa colaboração mais alargada com jesuítas de diferentes nacionalidades, com outros religiosos e com grupos de leigos.

Nuno da Silva Gonçalves, SJ.

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