A exposição do Santíssimo
A Eucaristia tudo recolhe. Tudo condensa.
Tudo relança. Esta é a sarça que arde sem se consumir. É o ícone que,
pelas coisas da nossa existência, nos abre, ainda e sempre, a passagem para o
que a vida tem de eterno. Vértice e abismo do vínculo de Deus connosco, os
gestos e as palavras, os ritmos, as formas, os cantos e os silêncios,
as cores e as sombras que fazem a Eucaristia, realizam, aqui e agora, o
encontro entre o sagrado e o quotidiano, a minha biografia e a nossa história
comum. Assim se desenha um espaço entre nós e entre nós e Deus,
no qual a pobreza dos meios e a limitação das formas se tornam lugares da
infinita riqueza da Graça.
Neste lugar, tão alto e tão baixo, tão
largo e tão extenso, e, porém, tão contido e tão elementar, continuamos a
testemunhar como o Absoluto se faz relativo, como o Santíssimo se nos expõe.
Aqui e agora, O-sempre-presente restitui-se-nos no que as nossas existências e as
nossas coisas têm de mais simples. Reduzido a pão que nem pão parece, a corpo
que não se vê, o mistério divino pode tocar-se, partir-se, comer-se. Numa
vulnerabilidade inaudita, expõe-se até à nossa desconsideração e ao nosso não
reconhecimento. Aqui, o Santíssimo é Deus e é coisa, é Senhor e é
servo, é pastor e é cordeiro levado ao matadouro, é dom e é moeda de troca, é
grão lançado à terra e é alimento. Inseparavelmente. E, assim mesmo, enquanto
se nos dá na pequenez das nossas coisas - no pão das nossas dores e no
vinho nas nossas alegrias -, deixa -no espaço para as palavras que
haveremos de dizer, para os gestos que haveremos de fazer, para as obras que
haveremos de criar, para o corpo que haveremos de ser no concreto do nosso
quotidiano e das nossas relações. Como indivíduos. Como comunidade de crentes.
Aqui, o que já vimos abre-nos a passagem para o que ainda nos falta ver, o que
já conhecemos para o que ainda há de vir, o que já encontrámos para o que ainda
desejamos receber.
A pequena custódia que nos expõe o infinito
num pedacinho de pão, não pode não desconcertar-nos. Apercebemo-nos da desproporção?
Tão elementar. Tão simples. E, porém, em Jesus morto e ressuscitado, o infinito
reclama o pedacinho de pão para se nos dar. É o pouco, mas o necessário, para O-realmente-presente-entre-nós.
Poderá este lugar, tão humano e tão divino,
reclamar menos que o teatro das nossas liberdades e dos nossos sentidos? Diante
do Santíssimo assim exposto, somos postos diante duma nudez desarmante. Atrai o
olhar e torna-o atento(…)
Da contemplação deste lugar sagrado e da
força com que nos deixarmos atravessar por tão desarmante dádiva, germinará a
atenção generosa que é própria dos vigilantes; a resposta responsável que é
própria dos justos; a fecundidade criadora que é própria dos artistas; a
inteligência sensível que é própria dos sábios; a simplicidade de uma vida
elementar que é própria dos ascetas; a graça de se definir a partir de um outro
que é própria dos místicos.
Padre José Frazão Correia, sj
"A fé vive de afeto"
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