O
Evangelho deste Domingo XXXII do Tempo Comum, Marcos 12,38-44, põe em cena e em
claro destaque uma viúva pobre que dá a Deus a sua vida toda, em contraponto
com os escribas e muitos outros, que fazem bom teatro religioso (não é o caso
do escriba do Domingo passado). Excelente inclusão literária no Evangelho de
Marcos: da primeira vez que Jesus aparece a ensinar em público, neste
Evangelho, o povo exclama: «Este ensina com autoridade, e não como os
escribas!» (Marcos 1,22); a terminar a sua actividade pública neste Evangelho,
é Jesus que mostra bem que não é como os escribas (Marcos 12,38-40). A cena
central passa-se no átrio das mulheres do Templo de Jerusalém, num lugar
chamado «Casa do Tesouro» (bêt ha-gazît) (Marcos 12,41-44). Muita gente deitava
aí muito do que lhe sobrava, mas a viúva pobre deu «tudo quanto tinha, a sua
vida toda!». Fio de sentido que liga este episódio ao que já encontrámos no
Primeiro Livro dos Reis 17,10-16.
O
Evangelho refere que a viúva é pobre. Duplamente desfavorecida, portanto.
Enquanto viúva e enquanto pobre. Mas a tecla que soa mais forte, é que deu
tudo, ainda que tenha dado pouco. O acento não está posto na quantidade, mas na
totalidade. É bom que, observando bem esta cena exemplar, aprendamos a passar
da mera ajuda para o dom de nós mesmos. Dom total. O discípulo de Jesus, à
maneira de Jesus, deve pôr em jogo a própria vida, e não simplesmente os
adereços. Tudo, e não apenas o supérfluo. Dar o que sobra não tem a marca de
Deus, não é fazer a verdadeira memória de Jesus, que se entregou a si mesmo por
nós (Efésios 5,2), por mim (Gálatas 2,20). O supérfluo deixa a vida intacta. O
dom de si mesmo transforma a vida para sempre. A marca deste dom é a totalidade
e a definitividade.
Dar
a vida toda ou entreter-se com os adereços, eis a verdadeira questão, meu irmão
de Domingo.
D. António Couto
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