sexta-feira, 2 de abril de 2010

Sexta-feira Santa


SEXTA-FEIRA SANTA

A MORTE DE CRISTO E A NOSSA MORTE

MORTE QUE INVOCA A VIDA


“Deus não fez a morte. Ele não se alegra com a perda dos vivos" (Livro da Sabedoria, 1.13-14).
“A vida não acaba, apenas se transforma” (Liturgia dos defuntos).

Estas palavras e o dia de Sexta - Feira Santa que se aproxima inspiraram-me a seguinte meditação sobre a morte de Cristo e a nossa morte:
Cristo morreu e ressuscitou e nós morreremos e ressuscitaremos com Ele. Podemos, pois, cantar um hino à vitória da vida sobre a morte como tão bem o soube cantar o Apóstolo Paulo: “ó morte onde está a tua vitória? ó morte, onde está teu aguilhão? A vida venceu a morte”... Em Cristo, deixamos de estar sob o domínio de forças obscuras, as forças da morte, e passamos a saborear a presença nova de Cristo que é “poder de ressurreição” - um poder que “actua em nós, os crentes” (Ef.1,19) e que nos faz participar, já aqui e agora, na vida eterna da Ressurreição. É certo que morremos, mas em Cristo e com Cristo: a vida venceu a morte, a morte invoca a vida.
Aparentemente, a morte aparece como um malogro, mas não é um malogro. Convive com a nossa vida, ajuda-nos a lutar pela vida. Bento XVI na Encíclica Spes Salvi diz: “com a morte diante dos olhos, a questão do significado da vida torna-se inevitável”
Morremos dia a dia: antes éramos crianças, agora somos jovens e adultos, sempre a caminho, não do fim, mas dum novo começo: “Aquilo que a lagarta chama fim do mundo, o homem chama borboleta” (Richard Bach). São as nossas células que morrem para viver de outro modo. A lagarta metamorfoseada em borboleta é símbolo da Ressurreição.
Gostaríamos de viver o mais longamente possível. Mas nem tudo aquilo que a nós parece vida é realmente vida. Por isso, os amigos da cruz de Cristo são chamados a renunciar àquilo que não é vida, mas é morte. Mortificar significa isso mesmo, morrer. Nós queremos viver, não morrer, mas há coisas às quais somos chamados a morrer, ao nosso “ego” e ao poder de domínio. Tudo o que há de egoísmo em nós deve morrer. Paulo diz que esta é a única escola sapiente: “a nossa pátria está nos céus e espera-nos a transfiguração do nosso corpo” (Fil.3,5). Fiel ao pensamento bíblico, o Apóstolo não fala de aniquilamento do corpo, como, pelo contrário, afirmava a filosofia grega, mas sim de uma “metamorfose” de toda a pessoa que se torna conforme ao corpo glorioso de Cristo: “semeado corruptível, o corpo se torna incorruptível; semeado na fraqueza, é ressuscitado cheio de força, semeado corpo terreno é ressuscitado corpo espiritual” (1 Cor. 15, 42ss).
Unidos a Cristo, exorcizamos o medo à morte e vencemos o medo daquela morte que não invoca a vida. Esta é uma tarefa exaltante, porque, avançando por entre luzes e sombras, levamos connosco a confiança duma vitória da vida sobre a morte, o último inimigo a ser vencido, como diz Paulo. A morte que não invoca a vida pode causar medo, desespero e ser a causa de outros medos. Mahatma Ghandhi diz “Quem vence o medo da morte vence todos os outros medos”: o medo do sofrimento, da doença, o medo de virmos a perder aqueles e aquelas que amamos.
Ser testemunha da morte daqueles que nos são queridos é uma dura prova. A morte dos outros nos reenvia à nossa própria morte e àquelas questões que espontaneamente nos pomos: porquê a morte? Haverá vida depois de morte ou será ela um fim absoluto? Por detrás destas perguntas, emerge o desejo de viver, a necessidade radical de se ser feliz no amor, de viver deste amor. Nos evangelhos, a morte está muito presente: a morte de Lázaro, o amigo de Jesus, a morte da filha de Jairo... De cada vez que há uma morte, vemos quanto Jesus se impressiona, chora. Chorou diante da morte de seu amigo Lázaro e compadeceu-se dos seus familiares. Jesus faz com que Lázaro volte à vida: “ele dorme”, “Lázaro levanta-te!”.
E, depois, há a Sua própria morte tão terrível que O faz gritar : «Pai faz que este cálice se afaste de mim». As narrações da Paixão não nos ocultam nada deste doloroso calvário que foi o de Jesus. Como um grande doente que, dia após dia, se extingue, assim Jesus morre lentamente nos sofrimentos mais atrozes, rodeado da sua família e dos seus amigos: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste (Mt. 27,46ss). Mas os evangelhos sublinham também a intensa dignidade desta morte. Jesus impõe-se pela sua coragem e pela dignidade de que Ele dá testemunho: “verdadeiramente este homem era o filho de Deus” (Marc, 15 39) dirá o centurião. Esta maneira de morrer é mais do que um convite à esperança. É o último testemunho d’Aquele que sabia para onde a morte O conduzia. Há na morte de Cristo, a certeza duma secreta vitória.
Nas horas, semanas e dias que precedem estes momentos cruciais há a preocupação de encontrar um sentido para a toda existência. Linguagem silenciosa que acolhe o outro. Nada temos para dizer, a não ser um toque suave, afectivo que vale por mil palavras. Quando vivemos da certeza de que a morte invoca a vida, chama pela vida, então o nosso luto se transformará num gozo sereno e suave que consolará em tempo de luto.
P. José Augusto Alves de Sousa, sj

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