[1ª leit. Gn
2, 18-24; 2ª leit. Hb 2, 9-11; Ev. Mc 10, 2-16]
Temos, nesta passagem
do Ev. de Marcos mais um encontro de Jesus com os fariseus. Convém começar por
conhecer o contexto jurídico e religioso em que se desenrola a controvérsia. No
tempo de Jesus, havia duas correntes de pensamento quanto à aprovação social do
divórcio. Para uma destas escolas, a mais moderada, o divórcio só era admitido
em caso de imoralidade da mulher. A escola mais permissiva dava ao marido o
direito de repudiar a mulher na base de qualquer pretexto. Ambas as correntes
se referiam a numa determinação do livro do Deut. (24, 1-3) e ambas supunham
que só o homem tinha direito a passar um certificado de divórcio. Jesus impõe,
com autoridade, o projecto primitivo de Deus, como aparece no libro do Génesis:
“no princípio da criação, Deus fê-los homem e mulher; por isso, o homem deixará
pai e mãe para se unir à sua esposa e os dois serão uma
só carne. Deste modo já não serão dois, mas uma só carne”. É de notar que esta
expressão “uma só carne” significa, na linguagem bíblica, “um só ser humano”, como
que uma só pessoa.
Jesus usa a Sua
autoridade de Novo Legislador (contrapondo-se, de certo modo, ao próprio
Moisés) para repor a primitiva intenção do Criador: “no princípio” não foi
assim. Com isto, Jesus sublinha vários aspectos que se encontram interligados
já na descrição poética do Génesis (1ª leitura) : -1º A dignidade do ser humano
que aparece, no topo da criação, como imagem do próprio Deus; - 2º A igualdade
de natureza entre homem e mulher, que implica igualdade de direitos e de
deveres; mas também, - em 3º lugar, a diferença entre ambos, de modo a poderem
complementar-se, para constituir “uma só carne”.
Posteriormente, S. Paulo eleva ainda mais a consideração da
dignidade do matrimónio ao comparar o casal cristão à relação entre Jesus e a
Igreja (Ef 5, 21 ss)[1].
O Papa Bento XVI recorre a esta imagem na sua encíclica “Deus caritas est” (Deus
é amor), lembrando que “o modo de Deus amar se torna medida do amor humano”, de
tal forma que o casal cristão é chamado a espelhar o amor, a caritas de Deus.
[1]
Algumas das expressões literárias destes textos deixam-nos um certo incómodo,
lidos superficialmente à luz da mentalidade do nosso tempo. Não podemos
esquecer que são escritos em contextos de sociedades patriarcais, e, por isso,
só poderiam usar as imagens e referências condizentes. O extraordinário é
abrirem, apesar disso, para novos horizontes de compreensão.
P. Manuel Vaz Pato sj
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