Um coração que aprende a amar os inimigos
Arco-íris (det.)
William Turne
Ouviste o que foi dito: olho por
olho... Mas eu digo-te, se alguém te bate na face direita, dá-lhe a outra;
desarma-te, não inspires o medo, mostra que não tens nada a defender, e o outro
compreenderá o absurdo de ser teu inimigo.
Dá-lhe a outra face; não a
passividade doentia de quem tem medo, mas uma iniciativa decidida: reata tu a
relação, dá tu o primeiro passo, perdoa, recomeça, volta a coser corajosamente
o tecido da vida, continuamente rasgado.
O cristianismo não é uma religião
de servos que se mortificam, humilham e não reagem; não é «a moral dos fracos
que nega a alegria de viver» (Nietzsche).
O cristianismo é a religião dos
reis, dos homens totalmente livres, senhores das próprias escolhas diante do
mal, capazes de neutralizar a espiral da vingança e inventar reações novas
através da criatividade do amor, que não paga com a mesma moeda, que
desconstrói as regras e traz felicidade.
Amarás o próximo e odiarás o teu
inimigo. Mas eu digo-te: ama o teu inimigo. Jesus pretende eliminar o próprio
conceito de inimigo. Violência produz violência, como uma cadeia infinita. Ele
escolhe interrompê-la. Pede-me para não replicar nos outros aquilo que sofri. É
assim que me liberto. Todo o Evangelho passa por aqui: amai-vos, porque de
outra forma sereis destruídos.
Sê perfeito como o Pai, sê santo
porque Eu, o Senhor, sou santo. Santidade, perfeição, palavras que parecem
distantes, destinadas a pessoas que fazem outra vida, dedicada à oração e à
contemplação. E no entanto são palavras muito concretas: «não odiarás do íntimo
do coração os teus irmão», não «guardarás rancor», «amarás o teu próximo como a
ti mesmo» (Levítico 19, 17-18, primeira leitura de Domingo).
A concretude da santidade: nada
de abstrato, distante, separado, mas o quotidiano, santidade terrestre como
perfume da casa, do pão, dos gestos. E do coração. Sê perfeito como o Pai. Mas
ninguém poderá alguma vez sê-lo, é como se Jesus nos pedisse o impossível.
Mas não diz «quanto Deus», mas «como Deus», que faz nascer o sol sobre
bons e maus.
Assim o farei, farei nascer um
pouco de sol, um pouco de esperança, um pouco de luz a quem só tem a escuridão
diante de si; transmitirei o calor da ternura, a energia da solidariedade.
Testemunho de que a justiça é possível, que se pode crer no sol mesmo quando
não brilha, no amor mesmo quando não se sente.
E tudo isto porque és filho do
teu Pai celeste, que faz nascer o sol sobre bons e maus. Do Pai aos filhos: é
como uma transmissão da herança, uma herança de comportamentos, de afetos, de
valores, de força.
É um desejo que dirijo a cada
criança que batizo, quando o pai acende a vela no círio pascal: que possas
encontrar sempre, nos teus dias, quem saiba despertar em ti a aurora. Quantas
vezes vi nascer o sol nos olhos de uma pessoa: uma escuta feita com o coração,
uma ajuda concreta, um abraço verdadeiro.
Ama os teus inimigos. Faz nascer
o sol no seu céu; que não nasça frieza, condenação, recusa, medo. Podes
fazê-lo, mesmo que pareça impossível. "Podes", e não
"deves".
Podes amar até os inimigos, podes
fazer o impossível, Eu dar-te-ei essa capacidade se o desejares, se mo pedires,
e então continuarás no caminho da mudança interior, de te conformares ao Pai.
Agora compreendo: posso (poderei)
amar como Deus! Ser-me-á dado um dia o próprio coração de Deus. De cada vez que
peço «Dá-me um coração novo», estou a invocar poder ter um dia o coração de
Deus, de me conformar aos mesmos sentimentos do coração de Deus.
Ao amar, sinto que me realizo,
sinto que dar aos outros nada tira do que é meu, que no dom há grande ganho,
torna a minha vida plena, rica, bela, feliz. Dar aos outros não se opõe ao meu
desejo de felicidade, porque amor ao próximo e amor a si mesmo não são atitudes
inconciliáveis, mas cruzam-se entre si. Deus dá alegria a quem gera amor.
É extraordinário: virá o dia em
que o nosso coração, que tanto se cansou a aprender o amor, será o coração de
Deus, e então seremos capazes de um amor eterno, que será a nossa alma, para
sempre, e a alma do mundo.