Parábola do Bom Samaritano (Lc.
10, 25-37)
História simples, mas na qual cada
pormenor assume imenso significado. Começa por um doutor da Lei que,
aparentemente, procura o Mestre para esclarecer um ponto central da Lei – que,
aliás, ele até já conhecia muito bem: “Que hei-de fazer para receber a vida
eterna como herança?” – “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração e com
toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento: e ao
próximo como a ti mesmo”. – “Faz isso e viverás!”, garante-lhe Jesus. O doutor
da Lei não se deu por contente e ainda bem, porque deu azo a que Jesus nos
esclarecesse a todos relativa/ a uma pergunta que cada um já terá feito, de um
modo ou de outro: “Quem é o meu próximo?” O homem estaria à espera de uma
definição mais ou menos filosófica de “próximo”, mas o que ouviu foi uma
pequena história que não só lhe respondia à pergunta como sobretudo lhe
apontava o caminho exigente de compromisso com os outros. Reparemos bem que os
maus da fita, nesta narrativa, são um sacerdote e um servidor do templo. E isso
não é por acaso. Jesus quer chamar a atenção dos que devem mostrar mais
responsabilidade em viver a Lei de Deus. Ao fim e ao cabo, todos nós temos
alguma tendência para a deficiência de visão quando a vista não agrada! E quem
veio a socorrer o pobre desgraçado, quase morto na valeta da estrada? Foi o
“inimigo” (pois os samaritanos não se davam com os judeus). Foi esse
desconhecido, de um povo de algum modo adversário, que se compadeceu do
moribundo, lhe deu a sua montada, gastou tempo e dinheiro para socorrer o
infeliz. Fez-se próximo do seu próximo.
parábola do Bom Samaritano faz-me
lembrar um dos mais recentes gestos do Papa, a que os MCS deram algum relevo. Na
sua primeira saída de Roma, não foi
visitar países ou gente importante. Deslocou-se, sim, a uma pequena ilha do
Mediterrâneo, chamada Lampedusa, entre a Itália e o norte de África, que, pela
sua posição geográfica, é procurada, como porto de abrigo, pelos emigrantes
africanos clandestinos que anseiam chegar à Europa, na esperança de conseguirem
melhor vida para si e para as suas famílias. Mas as barcas de transporte, desde
logo, tantas vezes, propriedade de exploradores, são rudimentares e
inapropriadas para vogar em alto mar. Apinhadas de gente, muito para além do
razoável, grande parte destas embarcações têm naufragado a meio do trajecto.
Calcula-se em cerca de 25 mil pessoas que já morreram afogadas durante o
percurso.
E o que é que o Papa foi fazer a
Lampedusa? Disse ele, na homilia: “Quando há algumas semanas tomei conhecimento
desta notícia, que infelizmente tantas vezes se repete, o meu pensamento
tornou-se continuamente como um espinho no coração, que traz sofrimento. E
então senti que devia vir aqui hoje rezar, fazer um gesto de proximidade, mas
também para despertar a nossa consciência, a fim de que o que aconteceu não se
repita (…) Nesta Liturgia, que é uma Liturgia de penitência, peçamos perdão
pela indiferença para com tantos irmãos e irmãs; pedimos-te perdão (Senhor) por
quem se acomodou, quem se fechou no próprio bem-estar que conduz à anestesia do
coração; pedimos-te perdão por aqueles que com as suas decisões a nível mundial
criaram situações que conduzem a estes dramas (... ) Muitos de nós, incluindo
também eu, estamos desorientados, deixámos de estar atentos ao mundo em que
vivemos, não cuidamos, não protegemos o que Deus criou para todos, e também
deixámos de ser capazes de nos protegermos uns aos outros. E quando esta
desorientação assume as dimensões do mundo, chega-se à tragédia como a que
assistimos. (…) A cultura do bem-estar, que nos leva a pensar (só) em nós
próprios, torna-nos insensíveis aos gritos dos outros, faz-nos viver em bolas
de sabão, que são belas mas não são nada, são a ilusão do fútil, do provisório,
que conduz à indiferença para com os outros, e assim conduz à globalização da
indiferença”.
padre Manuel Vaz Pato, sj
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