A celebração litúrgica do dia de hoje
condensa os contrastes e contradições de toda a semana que se segue. Por um
lado, recordamos a entrada triunfal de Jesus na cidade santa, por outro, lemos
e meditamos a descrição da Paixão. Só cinco dias separaram no tempo estes dois
acontecimentos - mas quantas diferenças! O mesmo povo O aclama primeiro e O
acusa depois! Porquê esta mudança brusca no comportamento da multidão? A
memória curta das multidões não explica tudo. Não tinham ainda compreendido que
espécie de reinado era o de Jesus Cristo. Impressionados pela cura do cego de
nascença e pela ressurreição de Lázaro, viram em Jesus o libertador político: finalmente
aparecera o rei, o descendente de David, que iria expulsar o dominador romano! Mas
os acontecimentos dos dias seguintes vieram desfazer esses sonhos e Jesus, de
triunfador de domingo, passou ao desprezado e malfeitor de sexta-feira. Não era
Jesus a entrar em Jerusalém que eles aclamavam, mas sim a imagem que a sua
própria conveniência dEle criara. Desde sempre Jesus Cristo é sinal de
contradição e também nós corremos o risco
de "instrumentalizar" a sua imagem. Esta semana recorda-nos vivamente
que este Homem em quem acreditamos (não porque nos dá jeito, ou por pura
tradição) é Deus feito homem, humilhado até à Cruz, por nós, solidário com as
nossas dores e limitações, até à morte. Este é o Jesus que quis sofrer a
injustiça, a traição, a tortura, o desprezo, o sofrimento, a condenação à morte
- para estar perto de tantos homens e mulheres sujeitos a idênticos ciclos de
violência. Ele próprio tinha anunciado, paradoxalmente, que esta era a sua
"hora", este o seu "dia" de vitória, o seu tempo de
glorificação. É, de facto, a semana em que a morte e a vida travam um combate
total; aparentemente vencido, Jesus Cristo é o vencedor! "Eu sou a
vida", tinha afirmado antes. E a vida vence a morte. "Páscoa"
significa "passagem"; passagem da humilhação ao triunfo, da derrota à
vitória, da morte à vida. Estes dias são de tristeza, acompanhando o Senhor na sua
Paixão. Mas são também de alegria, são dias de derrota vitoriosa, porque da
morte nasce a vida. É com os olhos postos na manhã da Ressurreição que devemos
meditá-los e vivê-los, na liturgia, na oração, no nosso dia-a-dia.
P. Manuel Vaz Pato, sj
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