domingo, 29 de abril de 2012

“Ninguém Ma tira [a vida] sou Eu que a dou espontaneamente.” Jo 10, 17


Dar ou tirar a vida?

Não é assim tão simples responder a esta pergunta. Por vezes não parece que o tempo, e mil outras situações, nos vão tirando pedaços de vida? Quantos sonhos por realizar, quanta azáfama e correria, e, de repente, chocamos com a fragilidade de um acidente ou uma doença. É verdade, podemos andar a viver como se tudo nos fosse tirado: o tempo, o vigor, a saúde, o convívio com os outros. Mas também é possível ter outra perspectiva: a vida foi-nos dada para aprendermos a dá-la. Quando dá gosto e quando custa, dar como quem semeia, dar quando não apetece, dar como se fosse este o último momento, dar com sorrisos ou com lágrimas. Conseguimos ver a diferença?

“Ainda há pastores?” é o título de um belíssimo documentário de 2008 de Jorge Pelicano. Foi dele que me lembrei ao voltar a ler este evangelho chamado do Bom Pastor. Não tanto preocupado pelos pastores de gado (que certamente a crise também afecta) mas por esta imagem/missão que gosto de ver atribuída a todos nós. Não somos um pouco pastores de todos aqueles que amamos? Não nos preocupamos com eles e desejamos cuidar com atenção e ternura, como diz o Caetano Veloso: “Quando a gente ama é claro que a gente cuida?”? O que é que pode mudar tudo isso? O que pode fazer com que alguém, responsável por outras pessoas, pelo bem comum, pelo dinheiro de muitos, pelo serviço a uma comunidade, deixe de ser pastor e passe a mercenário? Se se desiste do esforço de educar, de ser honesto e verdadeiro, de assumir os erros para melhorar, de dar valor ao trabalho, de procurar o maior bem para os outros, então, não há mesmo pastores!   

“Amigos improváveis” (“Intouchables” no original), o maior êxito do cinema francês, é um filme que nos “toca”. Porque na situação de duas pessoas que, normalmente, não se “tocariam”, pois pertencem a mundos tão diferentes e distantes, descobrimos como nos tornamos responsáveis uns pelos outros. E como a responsabilidade mútua é capaz de levar a verdadeiros milagres de ressurreição. Quando somos verdadeiros connosco e com os outros, quando ultrapassamos a aparência e vencemos o egoísmo, esse bichinho tão pernicioso que nos esburaca a alma fazendo-nos crer que assim é que somos felizes. Sim, isto de Deus nos fazer à sua imagem tem grandes consequências: só podemos ser felizes quando nos damos, quando nos gastamos com outros e para outros, quando ajudamos a descobrir a maravilha da vida até de alguém que só pode mexer a cabeça. Não será essa a diferença entre dar ou guardar a vida?  Vamos lá descobrir de novo de quem somos pastores!

P. Vítor Gonçalves 
in VOZ DA VERDADE 29.04.2012

Nenhum comentário: