OS
DOIS MANDAMENTOS No Evangelho do Domingo passado, os fariseus
e os herodianos armam a Jesus uma cilada, a propósito do tributo que devia ser
pago a César (a Roma). No texto que hoje meditamos, há uma nova pergunta que um
fariseu, versado nas Escrituras, Doutor da Lei, coloca a Jesus, uma pergunta
não menos ardilosa do que a do Domingo passado, como veremos a seguir. Os
Juristas de Israel, entre os quais se evidenciavam os Doutores da Lei, gostavam
de provar os conhecimentos que Jesus tinha sobre a Lei e, diversas vezes, o
interrogam sobre a mesma. Para eles, o mandamento mais importante era o da observância do Sábado. Esse dia devia
dedicar-se completamente ao repouso e a escutar a leitura da Escritura. Com o
tempo, converteram a observância do Sábado numa carga pesada, sobretudo para a
gente pobre com duras penas que deviam ser suportadas por eles. O Sábado deixou
então de ser a festa do Senhor e converteu-se num dia triste cheio de
prescrições ridículas que impediam as pessoas de mover-se, de cozinhar e,
inclusive, de auxiliar os necessitados (Os
Rabinos do tempo de Jesus tinham composto uma lista de 613 mandamentos: 365
proibições e 248 obrigações). Quando os Doutores da Lei perguntam a Jesus
qual a Lei mais importante, esperam que ele cometa um erro, pronunciando-se
contra a observância do Sábado, a lei mais importante para eles. Jesus, porém,
adianta-se em responder e faz-lhes ver que, na Lei, o mais importante é o amor de Deus e o amor do próximo.
Respondendo, agora, a um dos Doutores da Lei que lhe vem com a mesma pergunta: qual é o maior mandamento da Lei?
Jesus responde, de imediato
e considera, como primeiro mandamento, o que se encontra no livro do
Deuteronómio (6,59: “Amarás o Senhor Teu Deus com todo o teu coração, com toda
a tua alma e com todo o teu ser”. Este primeiro mandamento distingue a Israel
de todos outros povos que, diante dos seus deuses, só experimentavam medo e
terror. Amar a Deus era o ideal mais
alto do Israelita que começava ao sua oração da manhã com o chamado “SHEMA ISRAEL” (Escuta Israel: “ o Senhor
nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus…”). Mas Jesus evoca um segundo mandamento que se encontra no
Livro do Levítico (19,18): “Amarás o teu
próximo como a ti mesmo”. A diferença entre este preceito e o primeiro é
que este (o segundo) poderia encontrar-se também noutras culturas. Esta era a
chave de ouro de todas as éticas e uma prova fácil para reconhecer a veracidade
do amor humano. “ Assim, o primeiro mandamento elevava o homem a uma dimensão
vertical, pondo-o de frente com Deus. O segundo o guiava por uma caminho
horizontal, ao encontro de todos os demais homens. Este texto conclui com uma
conhecida frase de Jesus: “estes dois mandamentos contêm toda a Lei e os
Profetas” (José-Román Flecha Andrés). O amor é o próprio espírito da legislação
divina: Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma e
ao próximo como a ti mesmo. Ao colocar estes dois mandamentos como o eixo da
legislação divina de toda a Escritura, Jesus põe, em primeiro lugar a atitude filial com respeito a Deus e a
solidariedade inter-humana como o fundamento de toda a vida religiosa.
Inclusive a correcta interpretação da Escritura (a Lei e os Profetas) depende
de que sejam compreendidos e assumidos estes imperativos éticos. Concluindo,
Jesus diz que tudo o que há na Escritura, a Lei e os Profetas, depende dos dois
mandamentos de amor e que não fazem senão um único mandamento. Esta é um das
chaves que deve orientar toda a nossa leitura da Bíblia e submeter esta leitura
a encontrar o amor. Notemos que estes dois mandamentos que o Novo Testamento chama
“semelhantes”, podemos chamá-los “idênticos”. O Evangelho de hoje mostra-nos
que, para Jesus, o fundamento da relação com Deus e do próximo é o amor
solidário. Jesus sintetiza todo o Decálogo e quase toda a legislação em seu
princípio de amor fraternal e recíproco.
Alguém poderá amar a Deus que não vê e até em
quem não crê, amando simplesmente os outros e servindo-os? Pode amar-se a Deus sem o saber?
A favor destes, clamaram os
profetas denunciando a exploração. Hoje diante da pobreza daqueles que não têm
voz na sociedade, devemos cada um de nós, na medida do possível, sacudir o pó da
passividade e recuperar a voz que muitas vezes perdemos diante de situações
intoleráveis deste mundo chamado moderno e civilizado e volver ao essencial do
Evangelho, ao mandamento principal, aos dois amores ao amor de Deus e ao amor
dos irmãos.
Agradecemos ao Senhor por
nos ter dado a conhecer o caminho do amor que revelou ao seu povo e damos
sobretudo graças porque na nossa vida do dia - a - dia, podemos dar testemunho
do Amor.
P. José Augusto Alves de Sousa, sj
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