segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

S. Francisco Xavier


Há 491 anos, em Maio de 1521, chega a Azpeitia um homem em profunda crise existencial. O seu mundo ruiu por completo em pouco tempo, os pilares em que apoiava a sua vida derrocaram. Ao defender Pamplona lutando pelos reis católicos, este cavaleiro foi atingido por uma bala de bombarda que se atravessou entre as suas pernas, ferindo-o gravemente. Sem poder ser assistido convenientemente, esteve dois ou três dias apenas esperando que os seus companheiros de armas não pudessem fazer mais que capitular diante das forças inimigas. Pela valentia mostrada foi tratado com cortesia pelos seus rivais que lhe concederam a possibilidade de voltar a sua casa para ser mais convenientemente restabelecido. Durante cerca de quinze dias é trazido por oito companheiros que se revezam a carregar a sua maca pelos caminhos do país basco até chegar a Loiola, à casa senhorial da sua família. Chega derrotado, às portas da morte, sem saber o que será o seu futuro se sobreviver, uma vez que a sua nova condição talvez não lhe permita aspirar ao que tanto sonhava.

No fim, acabou por morrer Iñigo de Loiola, sem sequer se ter apercebido disso. Ao longo de 9 meses de recuperação física morre um homem, mas dá-se a gestação de um novo que se tornará Inácio de Loiola. Mais tarde, esta nova pessoa que reconhece o amor infinito de Deus por si, é consolidada em Manresa onde vive como eremita, na Terra Santa onde vê os lugares onde viveu o seu novo Senhor, em Barcelona, Alcalá, Salamanca, Paris e Veneza onde estudou porque percebeu que era isso o melhor instrumento para a maior glória de Deus, e em Roma onde acaba por fundar a Companhia de Jesus com os seus companheiros. Loiola sem Manresa seria um desastre. Manresa sem Loiola teria sido impossível. E sem uma nem a outra não existiria Companhia de Jesus, pelo menos como a conhecemos hoje.

Estou neste fim de Verão em Loiola, depois de já ter passado uns dias em Manresa, perto destes tempos iniciais do novo caminho de Inácio, a fazer o mês Arrupe. É um tempo de formação, de reflexão e de preparação para o sacerdócio na Companhia de Jesus, criado por Pedro Arrupe, geral deste instituto, há cerca de 3 décadas.

Para dizer a verdade, o mês Arrupe funciona como uma bala de bombarda que nos tira os apoios com que estamos habituados a caminhar. É um tempo em que percebo que os modelos imaginados para mim como sacerdote jesuíta podem não corresponder à realidade que Deus quer para mim como presbítero na Companhia de Jesus. As imagens caem, os arquétipos são purificados, os exemplos reduzidos à sua insignificância. O que Deus quer é outra coisa. Quer uma realidade, verdadeira e não idealizada, mais profunda, mais livre, mais deste Francisco que tem exactamente a minha história com altos e baixos de relação com Ele. Mas que foi chamado. Tal como é.

Loiola recebe-nos como recebeu Iñigo na sua crise: com calor humano, mas também com as montanhas belas e ásperas que a rodeiam quebrando a possibilidade de ter largos horizontes à nossa volta. Os montes obrigam-me a uma interioridade, a um olhar para dentro, a “reler” a Vida de Cristo, e as Vidas de Santos à luz da minha própria vida. A pergunta que me permanece é: “E se eu fizesse como Inácio?”; [1]. A minha vida mudaria certamente.

A única saída de Loiola é a escolhida por Inácio, porque é a única possível. Para cima, para o céu estrelado contemplado, para lá da opressão dos montes, para Deus, o meu Senhor.
E depois da experiência feita há ainda que me meter a caminho e fazer-me peregrino, e eremita na vivência do essencial, e rezar, e estudar, para que possa vir a ser um dia o Padre Francisco, filho de Inácio de Loiola que é pai desta mínima Companhia de Jesus.

[1] A "Vita Christi" e "Leyendas de los Santos" foram os livros que acompanharam Inácio na sua recuperação em Loiola uma vez que não existiam em sua casa as novelas de cavalaria por si desejadas para passar o tempo. Foi a leitura destes dois livros que provocou em Inácio perguntas como: “E se eu fizesse como S. Francisco? E se fizesse como S. Domingos?

Francisco Campos, sj

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