Da
sagacidade de Mestre Gil Vicente (1465-1540),
«Alta
Senhora, saberás
Que da tua santa humildade
Te deu tanta dignidade,
Que um filho conceberás
Da divina Eternidade.
Seu nome será chamado
Jesu e Filho de Deus;
E o teu ventre sagrado
Ficará horto cerrado;
E tu-Princesa dos Céus»
(Auto de Mofina Mendes)
à lírica,
quase transparente, de Sá de Miranda (1485-1558):
«Virgem
formosa, que achastes graça
Perdida antes por Eva, onde não chega
O fraco entendimento chegue a fé.
……………………………………….
Vós que nos destes claro a tanto escuro,
Remédio a tanta míngua
……………………………………….
Virgem toda sem mágoa, inteira e pura,
Sem sombra nem daquela culpa, herdada
Por todos nós, té o fim desde o começo
Claridade do sol nunca turbada».
Da magnífica
elegia X de Camões (1524-1580),
«Tu, Virgem
pura, santa, Avé Maria,
Cheia de Graça, Esposa, Filha e Madre,
Mais fermosa que o Sol ao meio dia,
Que vás buscando ao Esposo, Filho e Padre,
Qual cordeira perdida da manada,
Sem guarda de pastor, nem cão que ladre;
Vai Rainha dos Anjos mui amada,
E preciosa pedra adamantina,
De perfeições e graças esmaltada…
……………………………………………
ao recôndito
Frei Agostinho da Cruz (1540-1619), que na estreita cela da sua penitência,
profusamente alumiou com seu Verbo espiritual o nosso séc. XVI:
À Imaculada
Conceição
Virgem
formosa, que do sol vestida,
De luzentes estrelas coroada,
Do sol supremo fostes tão prezada,
Que em vós trouxe sua luz e nossa vida.
Virgem, do
alto esposo recebida,
Tanto mais humil, quanto mais alçada,
Só vós pera o Criador fostes criada,
Só vós entre as humanas escolhida.
Qual sai a
aurora, que trazendo o dia,
O céu, esmalta de púrpura e de ouro,
E as negras nuvens fogem de improviso:
Tal vós,
estrela clara e nosso guia,
Trazendo à terra vosso alto tesouro
Convertestes o pranto de Eva em riso.
No século XX
foi, talvez, um poeta brasileiro (mas a nossa pátria não é a língua
portuguesa?) quem fez da reflexão sobre a Imaculada um dos eixos capitais de
uma construção literária. Mostrando, ao mesmo tempo, como a linguagem teológica
ganha em densidade significativa quando integra a dimensão poética. Falo de
Murilo Mendes, sobretudo no período que Os quatro elementos (1935) e O
sinal de Deus (1935-1936) assinalam.
P. José Tolentino
(Pastoral da Cultura)
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