sexta-feira, 31 de outubro de 2014

SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS

Os cegos, os coxos, o pobre são declarados felizes, não porque eles são coxos, cegos e pobres, mas porque Cristo vem para os pôr de pé, levantar, lhes dar a luz e os enriquecer. Os milagres serão então os sinais daquilo que Cristo traz. Não podemos separar as Bem-Aventurança do texto de Lucas 4,16-19. Uma Boa Nova é anunciada aos pobres (Lucas 7,18-23)

 

O QUE É SER SANTO? Para o livro dos Actos dos Apóstolos, a palavra “santo aplica-se a todos aqueles e aquelas que pertencem à comunidade dos crentes. Neste sentido também nós somos santos porque pertencemos ao povo de Deus. Porem só Deus é Santo, porque somente n´Ele se pode confiar, somente Ele é fiel, a rocha no qual me posso apoiar. Ele é a minha fortaleza, a minha salvação, como dizem os Salmos. Eu sou santo, porque participo na santidade de Deus e não por qualquer mérito da minha parte. Sede Santos como Deus é Santo. Muitas vezes, a palavra santo, se identificou com o ser-se perfeito, Não podemos deixar que se considere santo somente aquele que está adornado de virtudes morais, embora também as virtudes concorram para a santidade, mas no sentido bíblico, santo é aquele que Deus escolheu. Isto não significa que somente alguns são chamados por Deus, mas significa que a santidade de cada um é fruto duma “santificação” que tem a Deus por autor (O Concílio Vaticano II no Capítulo V da Constituição Lumen Gentium fala da Vocação Universal à Santidade na Igreja)

Os cegos, os coxos, o pobre são declarados felizes, não porque eles são coxos, cegos e pobres, mas porque Cristo vem para os pôr de pé, levantar, lhes dar a luz e os enriquecer. Os milagres serão então os sinais daquilo que Cristo traz. Não podemos separar as Bem-Aventurança do texto de Lucas 4,16-19. Uma Boa Nova é anunciada aos pobres (Lucas 7,18-23)

FELIZES… A felicidade das Bem-Aventuranças não é para o futuro, mas para agora. Porque é que a felicidade é para agora, para hoje? Porque nada daquilo que nos pode acontecer, inclusive, uma peste, uma calamidade natural, o enfraquecimento do nosso corpo, a perseguição e até mesmo, a própria morte, nada nos pode impedir de cumprir o nosso destino de homens e mulheres e de respondermos à vocação a que somos chamados, comportando-nos como verdadeiros filhos de Deus: “filhinhos, vós agora já sois filhos” (João). Mesmo diminuídos por circunstâncias externas ou internas, a doença, por exemplo, seremos homens e mulheres por completo e a nossa miséria inclusive pode ser revertida para nosso bem. É o que significa a Cruz. Jesus passou por ela para chegar Ressurreição. Só nos podemos diminuir se recusamos amar. Nada nem ninguém nem qualquer situação adversa, nos poderá separar do amor e de nos realizarmos à Imagem de Deus. Paulo dizia: ninguém me pode separar do amor de Nosso Senhor Jesus Cristo.

SEMELHANÇA COM DEUS
Neste dia da festa de Todos os Santos, damos graças a Deus por todos aqueles e aquelas cuja vida impregnada pelo Evangelho é, ainda hoje, um sinal. Nós englobamos nesta acção de graças os santos, conhecidos e desconhecidos, membros da igreja ou simplesmente pertencentes à humanidade. É a grande festa da esperança porque homens e mulheres chegaram a brilhar como luz nas trevas e a humanidade pode depositar confiança neles. A vida fecunda dos santos anima ainda hoje a nossa humanidade. Mortos, mas vivos em Cristo ressuscitado, tornaram-se solidários de toda a humanidade, tornando-se corpo de Cristo, reino de Deus. Com que palavra podemos caracterizar a festa de hoje? Os nossos atingiram a semelhança com Deus e é esta palavra que melhor caracteriza este dia de Todos os Santos
Cada um à sua maneira e em seu tempo viveu o Evangelho e se deixou guiar pelo Espírito de Cristo. As suas vidas reais ou amplificadas nas biografias que se escrevem sobre eles, enfeitadas para edificar, são por vezes divertidas. Mas eles foram nas suas pessoas caracterizados sobretudo pela sua entrega a Cristo. Admiráveis!.. Mas são sempre imitáveis? Muitas vezes acreditamos que sim. Mas cada um de nós deve encontrar o seu próprio caminho de santidade. Se os santos nos comunicam uma mensagem não é para seguirmos na vida como eles, mas para que cada um de nós encontre o seu próprio caminho até à semelhança com Cristo. Não podemos reproduzir a sua maneira de fazer ou querer imitá-los no seu caminho concreto para Cristo mas deixar-nos estimular pelo seu entusiasmo por Cristo, porque no sentido forte da palavra não há outro santo senão Cristo.

P. José Augusto Alves de Sousa S.J.


domingo, 26 de outubro de 2014

30º. DOMINGO COMUM ANO A


OS DOIS MANDAMENTOS  No Evangelho do Domingo passado, os fariseus e os herodianos armam a Jesus uma cilada, a propósito do tributo que devia ser pago a César (a Roma). No texto que hoje meditamos, há uma nova pergunta que um fariseu, versado nas Escrituras, Doutor da Lei, coloca a Jesus, uma pergunta não menos ardilosa do que a do Domingo passado, como veremos a seguir. Os Juristas de Israel, entre os quais se evidenciavam os Doutores da Lei, gostavam de provar os conhecimentos que Jesus tinha sobre a Lei e, diversas vezes, o interrogam sobre a mesma. Para eles, o mandamento mais importante era o da observância do Sábado. Esse dia devia dedicar-se completamente ao repouso e a escutar a leitura da Escritura. Com o tempo, converteram a observância do Sábado numa carga pesada, sobretudo para a gente pobre com duras penas que deviam ser suportadas por eles. O Sábado deixou então de ser a festa do Senhor e converteu-se num dia triste cheio de prescrições ridículas que impediam as pessoas de mover-se, de cozinhar e, inclusive, de auxiliar os necessitados (Os Rabinos do tempo de Jesus tinham composto uma lista de 613 mandamentos: 365 proibições e 248 obrigações). Quando os Doutores da Lei perguntam a Jesus qual a Lei mais importante, esperam que ele cometa um erro, pronunciando-se contra a observância do Sábado, a lei mais importante para eles. Jesus, porém, adianta-se em responder e faz-lhes ver que, na Lei, o mais importante é o amor de Deus e o amor do próximo. Respondendo, agora, a um dos Doutores da Lei que lhe vem com a mesma pergunta: qual é o maior mandamento da Lei?
Jesus responde, de imediato e considera, como primeiro mandamento, o que se encontra no livro do Deuteronómio (6,59: “Amarás o Senhor Teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu ser”. Este primeiro mandamento distingue a Israel de todos outros povos que, diante dos seus deuses, só experimentavam medo e terror. Amar a Deus era o ideal mais alto do Israelita que começava ao sua oração da manhã com o chamado “SHEMA ISRAEL” (Escuta Israel: “ o Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus…”). Mas Jesus evoca um segundo mandamento que se encontra no Livro do Levítico (19,18): “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. A diferença entre este preceito e o primeiro é que este (o segundo) poderia encontrar-se também noutras culturas. Esta era a chave de ouro de todas as éticas e uma prova fácil para reconhecer a veracidade do amor humano. “ Assim, o primeiro mandamento elevava o homem a uma dimensão vertical, pondo-o de frente com Deus. O segundo o guiava por uma caminho horizontal, ao encontro de todos os demais homens. Este texto conclui com uma conhecida frase de Jesus: “estes dois mandamentos contêm toda a Lei e os Profetas” (José-Román Flecha Andrés). O amor é o próprio espírito da legislação divina: Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma e ao próximo como a ti mesmo. Ao colocar estes dois mandamentos como o eixo da legislação divina de toda a Escritura, Jesus põe, em primeiro lugar a atitude filial com respeito a Deus e a solidariedade inter-humana como o fundamento de toda a vida religiosa. Inclusive a correcta interpretação da Escritura (a Lei e os Profetas) depende de que sejam compreendidos e assumidos estes imperativos éticos. Concluindo, Jesus diz que tudo o que há na Escritura, a Lei e os Profetas, depende dos dois mandamentos de amor e que não fazem senão um único mandamento. Esta é um das chaves que deve orientar toda a nossa leitura da Bíblia e submeter esta leitura a encontrar o amor. Notemos que estes dois mandamentos que o Novo Testamento chama “semelhantes”, podemos chamá-los “idênticos”. O Evangelho de hoje mostra-nos que, para Jesus, o fundamento da relação com Deus e do próximo é o amor solidário. Jesus sintetiza todo o Decálogo e quase toda a legislação em seu princípio de amor fraternal e recíproco.

 Alguém poderá amar a Deus que não vê e até em quem não crê, amando simplesmente os outros e servindo-os? Pode amar-se a Deus sem o saber? 

O Texto de Mateus dá-nos a resposta a esta pergunta no Capítulo 25, 21- 45 do seu Evangelho: “ tive fome e destes-me de comer; tive sede e destes-me de beber; era peregrino e recolhestes-me; estava nu e destes-me que vestir; adoeci e visitastes-me; estava na prisão e fostes ter comigo…Mas quando é que foi que isto aconteceu, perguntam-lhe os destinatários, admirados com esta declaração, ou melhor com esta revelação. E o Senhor respondeu-lhes: “ Todas as vezes que o fizestes ao menor dos meus irmãos, foi a Mim que o fizestes”. Estas palavras fazem que lancemos o olhar sobre tantos e tantas que dedicam a sua vida aos outros, sem serem ou se dizerem crentes, ao menos, exteriormente e confirma-se o que diz S. João na sua Carta: “quem disser que ama a Deus que não vê e não ama o seu irmão que vê, é mentiroso” (1ª Jo. 4,19-21). Quantas Organizações não-governamentais se entregam a serviço dos outros sem a etiqueta duma confissão religiosa. Pensemos, por exemplo, agora, nos voluntários que se entregam aos doentes do Ébola, nos países afectados por esta calamidade, correndo riscos de vida! Pensamos que é por simples filantropia. E pode ser. Mas, quem move as pessoas, desde o seu mais íntimo, a praticarem essa filantropia?
A favor destes, clamaram os profetas denunciando a exploração. Hoje diante da pobreza daqueles que não têm voz na sociedade, devemos cada um de nós, na medida do possível, sacudir o pó da passividade e recuperar a voz que muitas vezes perdemos diante de situações intoleráveis deste mundo chamado moderno e civilizado e volver ao essencial do Evangelho, ao mandamento principal, aos dois amores ao amor de Deus e ao amor dos irmãos.

Agradecemos ao Senhor por nos ter dado a conhecer o caminho do amor que revelou ao seu povo e damos sobretudo graças porque na nossa vida do dia - a - dia, podemos dar testemunho do Amor.
P. José Augusto Alves de Sousa, sj

sábado, 18 de outubro de 2014

29º DOMINGO COMUM: DAI A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR E A DEUS O QUE É DE DEUS


Reflexão sobre as leituras do 29º Domingo Comum, Ano A: Is.45,1.4-6; 1ª.Tessalonicences 1,1-5b; Mateus 22, 15-21

DAI A CÉSAR O QUE É CÉSAR E A DEUS O QUE É DE DEUS. Conhecemos bem a cena que nos narra o Evangelho de hoje (Mt.22,15-21), onde se encontra como conclusão esta frase de Jesus: Dai a César o que é César e a Deus o que é de Deus. Ainda que os fariseus e os partidários de Herodes não se dêem bem, e até, por vezes, sejam inimigos declarados, contudo, nesta cena que nos descreve o Evangelho de hoje, estão de acordo, numa coisa: eliminar Jesus, pô-lo fora de cena e, por isso, lhe armam uma cilada. Mas antes de passaram à execução do que pretendem, não deixam, hipocritamente, de elogiar Jesus como Mestre, sublinhando três virtudes que o caracterizam. Admiram nele a sinceridade, a rectidão com que ensina o caminho de Deus e a sua independência no juízo que não se deixa arrastar pela acepção de pessoas. Depois desta descrição um tanto ou quanto florida, vem a cilada: fazem-lhe uma pergunta insidiosa, provocadora, calculando bem que a resposta de Jesus, fosse ela qual fosse, o comprometeria ou perante o povo, ou perante o Imperador Romano. A pergunta era simplesmente esta: “é lícito pagar o imposto a César ou não?” Se Jesus dissesse que não, imediatamente o acusariam, perante Pilatos, de rebelião contra Roma que então dominava a Palestina, carregando o povo de impostos. Se dissesse que imposto era legítimo e que deveria ser pago, então seria completamente desprestigiado diante do povo, sobretudo diante dos pobres que gemiam sob o peso duma cargo tão grande. A estes, Jesus amava intensamente e uma resposta que lhes fosse desfavorável, era o que pretendiam os fariseus. Jesus, porém, em vez de responder de imediato, pediu que lhes mostrassem uma moeda de Roma com a qual se deveria pagar o imposto. E logo os fariseus se prontificaram a apresentar-lhe um denário que um deles guardava no bolso e que tinha gravado, numa das faces, a efígie de Tibério César, Imperador Romano. É de notar que um Israelita piedoso não devia levar consigo moedas cunhadas com imagens humanas, mas evidentemente que estes tentadores que se mostravam como piedosos, esses podiam transgredir tranquilamente a Lei! Por isso, Jesus apressa-se a responder: se vós possuís essa moeda convosco e é com ela que negociais, que pagais as compras no mercado, então, pagai, também, com ela, o imposto ao Imperador, dai-lhe a moeda que lhe pertence: dai a César o que é de César e acrescenta ainda Jesus: dai a Deus o que é de Deus.

O ALCANCE DAS PALAVRAS DE JESUS: Nunca tão poucas palavras como as palavras desta frase tiveram tamanho eco na literatura religiosa e na história dos homens e nunca houve palavras que fossem tão distorcidas e manipuladas, conforme os interesses dos governantes e até da própria Igreja. O dito de Jesus: Dai a César o que de César e a Deus o que é de Deus é aproveitado, muitas vezes, pelos governantes para dizerem aos homens da Igreja que não se podem imiscuir em questões políticas. Outras vezes, são os homens da Igreja a recordar aos políticos este dito de Jesus para afirmarem o seu direito de defender e proclamar os valores do Evangelho. Às vezes, a mesma sociedade diz que os cristãos (Bispos, Padres e leigos) não se devem meter em política, esquecendo-se de que a política, no sentido grego não significa sempre o engajamento e militância em algum partido político, embora, também aí, os cristãos devem entrar para darem o seu contributo, através da Doutrina Social da Igreja, mas a política no seu sentido genuíno, tem um significado abrangente que diz respeito à Polis (cidade, em grego), isto é, ao compromisso de todo e qualquer cidadão de trabalhar e velar pelo bem comum. Todos os cristãos sabem, portanto, que é um dever de justiça e de caridade colaborarem, realmente, na busca e realização do bem comum da sociedade: Dai a César o que é de César. Mas os cristãos sabem também que nem sempre as leis humanas buscam o bem comum e até podem atentar contra o homem, favorecendo os grupos que têm força na sociedade. Em nome da modernidade, não se pode, por exemplo, favorecer as leis que atentam contra a vida humana, por exemplo, a lei do aborto (Gaudium et Spes).

PERGUNTAS A RESPEITO DO DITO DE JESUS. Claro está que esta passagem do Evangelho que lemos hoje, nos suscita uma série de perguntas: a fé tem alguma coisa a dizer no funcionamento das nossas sociedades laicas? A religião é um assunto totalmente privado e pode-se, como fazem alguns governos relegá-la para um assunto de consciência e proibir toda a expressão comunitária e pública do culto, como aconteceu, por exemplo, em Moçambique, num dado momento de sua história, logo a seguir à independência? Podem os homens que nunca ouviram falar de Deus nem do Evangelho levar uma vida e tomar decisões condizentes com o Evangelho, segundo a justiça e a verdade? Não serão esses homens verdadeiros filhos de Deus? Continuaremos a olhar para os dois domínios, o de Deus e o de César, como domínios totalmente separados: dum lado, o universo da fé e, do outro, um universo totalmente profano? Mas, se separamos estes dois universos, como podemos pensar que algo escapa a Deus, o criador e senhor de todas as coisas e de tudo quanto existe e que Ele não é fonte de quem tudo procede?!... Ora dá que reflectir sobre os textos do livro da Sabedoria 13 e de S. Paulo aos Romanos 1,20, em que se nos diz que tudo nos fala de Deus e nada escapa à sua lei!.. Podemos, assim, concluir, numa outra linguagem que tudo está abrangido pelo Amor de Deus, que quer que todos os homens se salvem a cheguem ao conhecimento da verdade!.. Estamos ao serviço de Deus, servindo os outros, mas não podemos servir-nos de Deus para impor as nossas escolhas aos outros. Se assim fosse, seria instrumentalizar a Deus a nosso favor. Olhemos para a primeira leitura, a leitura de Isaías. Ciro, rei dos Persas, ignorando a fé de Israel, vai cumprir o desejo de Deus e restabelecer o Povo à sua soberania. Deus toma Ciro pela mão direita e chama-o pelo seu nome. E, neste sentido, se pode dizer que Ciro, sendo um pagão, a Escritura fala dele, como o ungido e, portanto, como uma figura de Cristo. Evidentemente que este homem cumpre apenas o que é bem e, por isso Deus passa por Ele: “Eu te chamei pelo teu nome e te dei um título glorioso, quando ainda não me conhecias. Eu sou o Senhor e não há outro; fora de mim não há Deus”(Is.45,4-5).
NOTA. Hoje, é o Dia Mundial das Missões. Neste dia, vai ser beatificado o Papa Paulo VI que foi o que levou por diante o Concílio Vaticano II, depois da morte do papa João XXIII. Não somente levou por diante o Concílio, mas esforçou-se por o pôr em prática na Igreja Universal. Deixou-nos a belíssima Exortação Apostólica Evangelli Nuntiandi (8/12/1975), que podemos meditar com todo o fervor no dia de hoje, dia da sua Beatificação e Dia Mundial das Missões. Recordamos também a Mensagem, para este dia do papa Francisco que nos fala da grande urgência da missão ad gentes e da colaboração de todos nesta Missão: a Missão duma Igreja que deve estar sempre em “saída” para ir ao encontro dos homens e levar-lhes a Boa Nova da alegria: “Evangelli Gaudium”. MISSÃO, uma paixão por Jesus e por todos.


P. José Augusto de Sousa S. J.

DIA MUNDIAL DAS MISSÕES


Queridos irmãos e irmãs!
Ainda hoje há tanta gente que não conhece Jesus Cristo. Por isso, continua a revestir-se de grande urgência a missão ad gentes, na qual são chamados a participar todos os membros da Igreja, pois esta é, por sua natureza, missionária: a Igreja nasceu «em saída». O Dia Mundial das Missões é um momento privilegiado para os fiéis dos vários Continentes se empenharem, com a oração e gestos concretos de solidariedade, no apoio às Igrejas jovens dos territórios de missão. Trata-se de uma ocorrência permeada de graça e alegria: de graça, porque o Espírito Santo, enviado pelo Pai, dá sabedoria e fortaleza a quantos são dóceis à sua acção; de alegria, porque Jesus Cristo, Filho do Pai, enviado a evangelizar o mundo, sustenta e acompanha a nossa obra missionária. E, justamente sobre a alegria de Jesus e dos discípulos missionários, quero propor um ícone bíblico que encontramos no Evangelho de Lucas (cf. 10, 21-23).
1. Narra o evangelista que o Senhor enviou, dois a dois, os setenta e dois discípulos a anunciar, nas cidades e aldeias, que o Reino de Deus estava próximo, preparando assim as pessoas para o encontro com Jesus. Cumprida esta missão de anúncio, os discípulos regressaram cheios de alegria: a alegria é um traço dominante desta primeira e inesquecível experiência missionária. O Mestre divino disse-lhes: «Não vos alegreis, porque os espíritos vos obedecem; alegrai-vos, antes, por estarem os vossos nomes escritos no Céu. Nesse mesmo instante, Jesus estremeceu de alegria sob a acção do Espírito Santo e disse: “Bendigo-te, ó Pai (…)”. Voltando-se, depois, para os discípulos, disse-lhes em particular: “Felizes os olhos que vêem o que estais a ver”» (Lc 10, 20-21.23).
As cenas apresentadas por Lucas são três: primeiro, Jesus falou aos discípulos, depois dirigiu-Se ao Pai, para voltar de novo a falar com eles. Jesus quer tornar os discípulos participantes da sua alegria, que era diferente e superior àquela que tinham acabado de experimentar.
2. Os discípulos estavam cheios de alegria, entusiasmados com o poder de libertar as pessoas dos demónios. Jesus, porém, recomendou-lhes que não se alegrassem tanto pelo poder recebido, como sobretudo pelo amor alcançado, ou seja, «por estarem os vossos nomes escritos no Céu» (Lc 10, 20). Com efeito, fora-lhes concedida a experiência do amor de Deus e também a possibilidade de o partilhar. E esta experiência dos discípulos é motivo de jubilosa gratidão para o coração de Jesus. Lucas viu este júbilo numa perspectiva de comunhão trinitária: «Jesus estremeceu de alegria sob a acção do Espírito Santo», dirigindo-Se ao Pai e bendizendo-O. Este momento de íntimo júbilo brota do amor profundo que Jesus sente como Filho por seu Pai, Senhor do Céu e da Terra, que escondeu estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelou aos pequeninos (cf. Lc 10, 21). Deus escondeu e revelou, mas, nesta oração de louvor, é sobretudo a revelação que se põe em realce. Que foi que Deus revelou e escondeu? Os mistérios do seu Reino, a consolidação da soberania divina de Jesus e a vitória sobre satanás.
Deus escondeu tudo isto àqueles que se sentem demasiado cheios de si e pretendem saber já tudo. De certo modo, estão cegos pela própria presunção e não deixam espaço a Deus. Pode-se facilmente pensar em alguns contemporâneos de Jesus que Ele várias vezes advertiu, mas trata-se de um perigo que perdura sempre e tem a ver connosco também. Ao passo que os «pequeninos» são os humildes, os simples, os pobres, os marginalizados, os que não têm voz, os cansados e oprimidos, que Jesus declarou «felizes». Pode-se facilmente pensar em Maria, em José, nos pescadores da Galileia e nos discípulos chamados ao longo da estrada durante a sua pregação.
3. «Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado» (Lc 10, 21). Esta frase de Jesus deve ser entendida como referida à sua exultação interior, querendo «o teu agrado» significar o plano salvífico e benevolente do Pai para com os homens. No contexto desta bondade divina, Jesus exultou, porque o Pai decidiu amar os homens com o mesmo amor que tem pelo Filho. Além disso, Lucas faz-nos pensar numa exultação idêntica: a de Maria. «A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador» (Lc 1, 46-47). Estamos perante a boa Notícia que conduz à salvação. Levando no seu ventre Jesus, o Evangelizador por excelência, Maria encontrou Isabel e exultou de alegria no Espírito Santo, cantando o Magnificat. Jesus, ao ver o bom êxito da missão dos seus discípulos e, consequentemente, a sua alegria, exultou no Espírito Santo e dirigiu-Se a seu Pai em oração. Em ambos os casos, trata-se de uma alegria pela salvação em acto, porque o amor com que o Pai ama o Filho chega até nós e, por obra do Espírito Santo, envolve-nos e faz-nos entrar na vida trinitária.
O Pai é a fonte da alegria. O Filho é a sua manifestação, e o Espírito Santo o animador. Imediatamente depois de ter louvado o Pai – como diz o evangelista Mateus – Jesus convida-nos: «Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, que Eu hei-de aliviar-vos. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para o vosso espírito. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve» (Mt 11, 28-30). «A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 1).
De tal encontro com Jesus, a Virgem Maria teve uma experiência totalmente singular e tornou-se «causa nostrae laetitiae». Os discípulos, por sua vez, receberam a chamada para estar com Jesus e ser enviados por Ele a evangelizar (cf. Mc 3, 14), e, feito isso, sentem-se repletos de alegria. Porque não entramos também nós nesta torrente de alegria?
4. «O grande risco do mundo actual, com a sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 2). Por isso, a humanidade tem grande necessidade de dessedentar-se na salvação trazida por Cristo. Os discípulos são aqueles que se deixam conquistar mais e mais pelo amor de Jesus e marcar pelo fogo da paixão pelo Reino de Deus, para serem portadores da alegria do Evangelho. Todos os discípulos do Senhor são chamados a alimentar a alegria da evangelização. Os bispos, como primeiros responsáveis do anúncio, têm o dever de incentivar a unidade da Igreja local à volta do compromisso missionário, tendo em conta que a alegria de comunicar Jesus Cristo se exprime tanto na preocupação de O anunciar nos lugares mais remotos como na saída constante para as periferias de seu próprio território, onde há mais gente pobre à espera.
Em muitas regiões, escasseiam as vocações ao sacerdócio e à vida consagrada. Com frequência, isso fica-se a dever à falta de um fervor apostólico contagioso nas comunidades, o que faz com as mesmas sejam pobres de entusiasmo e não suscitem fascínio. A alegria do Evangelho brota do encontro com Cristo e da partilha com os pobres. Por isso, encorajo as comunidades paroquiais, as associações e os grupos a viverem uma intensa vida fraterna, fundada no amor a Jesus e atenta às necessidades dos mais carecidos. Onde há alegria, fervor, ânsia de levar Cristo aos outros, surgem vocações genuínas, nomeadamente as vocações laicais à missão. Na realidade,  aumentou a consciência da identidade e missão dos fiéis leigos na Igreja, bem como a noção de que eles são chamados a assumir um papel cada vez mais relevante na difusão do Evangelho. Por isso, é importante uma adequada formação deles, tendo em vista uma acção apostólica eficaz.
5. «Deus ama quem dá com alegria» (2 Cor 9, 7). O Dia Mundial das Missões é também um momento propício para reavivar o desejo e o dever moral de participar jubilosamente na missão ad gentes. A contribuição monetária pessoal é sinal de uma oblação de si mesmo, primeiramente ao Senhor e depois aos irmãos, para que a própria oferta material se torne instrumento de evangelização de uma humanidade edificada no amor.
Queridos irmãos e irmãs, neste Dia Mundial das Missões, dirijo o meu pensamento a todas as Igrejas locais: Não nos deixemos roubar a alegria da evangelização! Convido-vos a mergulhar na alegria do Evangelho e a alimentar um amor capaz de iluminar a vossa vocação e missão. Exorto-vos a recordar, numa espécie de peregrinação interior, aquele «primeiro amor» com que o Senhor Jesus Cristo incendiou o coração de cada um; recordá-lo, não por um sentimento de nostalgia, mas para perseverar na alegria. O discípulo do Senhor persevera na alegria, quando está com Ele, quando faz a sua vontade, quando partilha a fé, a esperança e a caridade evangélica.
A Maria, modelo de uma evangelização humilde e jubilosa, elevemos a nossa oração, para que a Igreja se torne uma casa para muitos, uma mãe para todos os povos e possibilite o nascimento de um mundo novo.
Vaticano, 8 de Junho – Solenidade de Pentecostes – de 2014.
FRANCISCO


sábado, 11 de outubro de 2014

28º DOMINGO: CONVITE PARA A REFEIÇÃO DE NÚPCIAS


Reflexão, a partir das leituras do 28º Domingo: Isaías 25, 6-10; Filipenses 12-14.19-20; Mateus 22,1-14

DEUS É UM DEUS DE TODOS: “Sobre este monte, o Senhor do Universo há-de preparar para todos os povos um banquete de manjares suculentos e vinhos deliciosos”... Este texto de Isaías lido neste Domingo repete, por três vezes, a alusão ao monte. Isaías vivia em Jerusalém e esta alusão ao monte, refere-se à colina da cidade de Jerusalém onde se ergue o Templo do Senhor. Este Templo será a meta da peregrinação de todos os povos. Isaías anuncia aqui, neste monte, a salvação que se concretizará na aniquilação da morte, no enxugar das lágrimas pelo Senhor, no retirar do opróbrio que pesa sobre o povo. O povo recobrará alegria, porque o véu de luto que pesava sobre ele foi retirado. E o Profeta anuncia, sobretudo, a celebração dum banquete, para o qual, são convidados todos os povos da terra... Neste banquete, conviverão todos os povos e já não há inimigos como, muitas vezes, pensou Israel, porque Deus é o Deus de todos e a sua misericórdia se estende por toda a terra. A salvação de Deus traz consigo a reconciliação universal e, por isso, há motivos mais que suficientes para celebrar a festa.

AS NÚPCIAS DO FILHO - O CORDEIRO DE DEUS, BANQUETE FINAL COMO CONCLUSÃO DE TODA A HISTÓRIA: O Evangelho de Mateus, na Parábola que acabamos de ouvir, refere-se à Celebração do Banquete em Isaías que é a Profecia da Celebração do Banquete das Núpcias do Filho, o Banquete Final, como conclusão de toda a História. Nela, o evangelista Mateus, com o estilo que lhe é próprio, retoma os termos de Isaías para nos descrever a sumptuosidade duma refeição que podemos chamar escatológica, isto é, a refeição dos últimos tempos que celebra a última intervenção de Deus na história dos homens. Tudo está preparado, diz o Evangelho que nos confirma que as núpcias são, para agora, para os novos tempos, os tempos que começaram com Jesus Cristo. O tema das núpcias do Filho de Deus com a humanidade está presente em todo o Novo Testamento até ao Apocalipse 19, 6-9, onde se apresenta as núpcias do Cordeiro como conclusão de toda a história, a refeição do fim dos tempos, imagem da Vida Eterna. (não a refeição do fim do mundo, como, por vezes, se tem a tentação de dizer). Isaías e o Evangelho vêem nestas núpcias um fim feliz, embora o percurso pela história tenha sido difícil. Um véu de luto que envolvia todos os povos foi retirado, mas mesmo assim, os homens continuam a recusar o convite. Jesus não impõe nada à força, não pressiona ninguém. Anuncia a Boa Notícia de Deus, desperta a confiança no Pai e acende nos corações a esperança. Mas uns e outros e, também nós, continuamos contentes com o nosso bem - estar e surdos ao que não sejam os nossos interesses imediatos. Parece até que não necessitamos de Deus! Alguns continuamos a ir para campo (entende-se o que isto quer dizer), outros entregamo-nos aos negócios e há até quem se atreve e excluir ou até a matar os servos que vieram para convidar para o banquete. As reacções dos convidados faz-nos lembrar a reacção dos vinhateiros homicidas, de que falamos no Domingo passado, embora aqui encontremos dois tipos de reacções. Há aqueles que se entregam à rotina do dia-a-dia e não querem, simplesmente, ouvir o convite. Estão prisioneiros do seu mundo e dos seus negócios. Um pouco como sucedia na Parábola do Semeador (Mt.13,3-23) E há aqueles que recebem a semente nos espinhos, um coração prisioneiro das paixões, da preocupação do mundo e da sedução das riquezas. Todos estes convidados não têm em conta o convite e vão cada qual para os seus afazeres. No Domingo passado, vimos que vinha era dada a outros vinhateiros e aqui, na parábola deste Domingo, a sala da refeição das núpcias se enche de novos convivas. Não importa quem são estes novos convivas. São os conhecidos e os desconhecidos, encontrados ao azar, nas encruzilhadas dos caminhos, são os estrangeiros... No evangelho de Lucas, são os pobres, os estropiados, os cegos, os coxos (Lc.14,21).

O HÁBITO DAS NÚPCIAS. A NUDEZ DO CONVIDADO (SEM DEUS NA VIDA), A NUDEZ DA CRUZ E A REVELAÇÃO DO NOVO TESTAMENTO. Uma das coisas estranhas é o que nos diz a parábola acerca daquele homem que entrou sem o traje de núpcias. Primeiramente, uma possível interpretação bíblica do sucedido. A nudez aparece no Génesis 3. Adão e Eva pecaram e sentem-se nus, quer dizer, sem Deus e, por conseguinte, desarmados e sem defesa. Mas noutra passagem da Bíblia, encontramos sobre a cruz um homem nu, desnudado, de quem os seus algozes partilham os seus vestidos. A nudez é assim o hábito das Núpcias que leva Cristo sobre o leito das núpcias com a humanidade. Talvez seja deste modo que devemos interpretar a questão do homem que se apresentou sem a veste nupcial. Ele devia apresentar-se desarmado, despojado para aceder à unidade com Deus! Depois desta interpretação bíblica, não se pense, pois, nesta cena, numa questão meramente moral: o homem não era digno, porque não estava em estado de graça e de rectidão moral. Contudo, é legítimo perguntar: somos nós entregues a um Deus castigador que não nos perdoa e expulsa-nos do banquete? Há bastantes textos no Antigo Testamento e o mesmo se diga no Novo Testamento que nos poderiam levar a supor isso. Mas Jesus apenas nos anuncia aquilo que deveria acontecer, segundo o curso normal das coisas, se nós permanecêssemos sob o regime da Lei do Antigo Testamento. Dizemos, além disso que tanto os vinhateiros como os convidados se excluíram eles próprios do lugar da vida e donde receberiam a vida. Mas mais tarde, na revelação do Novo Testamento aprendemos que mesmo os assassinos terão parte na refeição das núpcias. Para compreendermos isto, é necessário entender a linguagem da cruz, ver Jesus crucificado e ver como ele perdoa aos seus algozes aos assassinos. No fim de contas, é a cruz que é o leito das núpcias de Cristo com a humanidade. É aí que entregará o seu corpo e o seu sangue para se tornar connosco uma só carne. Aí, toma no nosso pecado, este pecado que o mata, e rouba a nosso felicidade. Nós somos com efeito autores e vítimas da nossa desgraça. Mas, as coisas não ficaram por aí, porque a núpcias são a fonte de vida e que a ressurreição fará de nós filhos de Deus animados duma vida nova. Nos eis desposados e gerados neste dia das Núpcias do Cordeiro. O nosso Evangelho de hoje enuncia tudo isto em termos velados, quando o rei prescreve aos servos de fazer entrar na sala da festa tanto os bons como os maus.
NOTA. A interpretação desta parábola lança-nos nas mãos de Deus. Ele não desiste de convidar-nos para o Banquete. Quem aceita o seu convite? Quem o anuncia? Quem o escuta? Que Evangelho anunciamos? Alguns acentos doutrinais ou morais ou determinadas opções ideológicas? Ou uma vida, a vida de Deus revelada em Jesus Cristo? E como atitude: o importante é reconhecermo-nos humildes pecadores e sempre nos julgarmos necessitados de perdão. Mas não dizer apenas: Deus perdoa-me, logo continuo a pecar, ou então: não mato nem roubo e abandono sistematicamente o Sacramento da Penitência! Será mesmo assim?

P. José Augusto Alves de Sousa, SJ 

sábado, 4 de outubro de 2014

O 27º DOMINGO: O MEU AMIGO TINHA UMA VINHA


Uma reflexão a partir dos textos deste Domingo 27º. Isaías 5,1-7; Filipenses 4,6-9; Mateus 21, 33-43

A VINHA ESTÉRIL: É com palavras poéticas, talvez o melhor poema da Bíblia e da literatura religiosa que o profeta Isaías canta, em nome do seu amigo (Deus) um cântico à Vinha. A Vinha é o Povo de Israel que Deus escolheu, entre todos os povos da terra, para ser: Povo-Profeta (falar em nome de Deus); Povo-testemunha da fé num único Deus, para professar e anunciar essa fé e para ser Povo-filtro, isto é, para que pudesse fazer passar pelo filtro (filtrar) todas as iniciativas de outros povos e deles pudesse colher o que havia em todos eles de bom, porque tudo o que há de bom é obra de Deus! E para realizar esta vocação, ou seja para que a Vinha desse bons frutos, o dono da Vinha (Deus), lavrou e limpou a Vinha das pedras, escolheu as melhores cepas; mandou construir uma sebe para a proteger dos animais selvagens, uma torre de vigia para a proteger de gente de má fé que estraga aos coisas que não lhe pertencem e até mesmo se apodera delas e, mais ainda, construiu um lagar para que, das uvas, pudesse fazer o saboroso vinho, o fruto da Vinha que o meu amigo queria dar a saborear a todos os que viessem de perto e de longe. Mas uma grande decepção teve este meu amigo que toldou este hino de amor à Vinha. Porque a Vinha, em vez de sorrir no tempo da vindima, com saborosas uvas, ostentava uvas amargas e folhas envelhecidas. Afinal, a Vinha tornara-se estéril!.. E, pior ainda: no interior da Vinha, só há sangue derramado, gritos de horror em vez da justiça, numa palavra estalou a violência!..

A VINHA É SALVA: O cenário muda no cântico da Vinha cantado por Jesus. Certamente que Jesus vem cantar o hino de Isaías, mas ultrapassa-o, exaurindo dele, uma harmoniosa melodia, o seu sentido último e profundo: Isaías anuncia a ruína de vinha, mas nada disto na Cântico de Jesus e nele surgem personagens que não se encontram em Isaías: os vinhateiros. Jesus conta, então, que o proprietário de Vinha  se ausentou e confiou a Vinha a uns vinhateiros. A Vinha de Deus é confiada aos homens, mas mesmo que estes homens a esterilizem, Deus não abandono seu projecto de salvação que se realizará contra tudo e contra todos. Também hão-de surgir as violências perpetradas pelos vinhateiros contra os enviados de Deus, os Profetas. E o escândalo maior aconteceu, quando o senhor enviou seu próprio filho, pois eles deram-lhe a morte. E isto, sem nenhuma razão, porque os enviados de Deus, os Profetas não vêm contra o homem, mas a favor do homem, vêm apenas para exigir que o homem dê fruto. Os vinhateiros, porém, querem guardar os frutos para eles. Apoderando-se do fruto, destruíram o fruto. Esta conduta dos vinhateiros se pauta pela desconfiança como na história da árvore do Génesis 3 ou na atitude do terceiro servo de Mateus 25,22-28 (não pôs a render o talento!..). Mas, a maravilha é que a Vinha e frutos serão salvos.

AMOR EM VEZ DE VIOLÊNCIA: O fruto esperado pelo dono da Vinha, afinal é o amor em vez de violência, como nos diz toda a Escritura e até mesmo todo o Capítulo 5 do livro de Isaías. O direito e a Justiça da 1ª leitura e, finalmente, o amor mútuo eficaz da 2ª leitura (praticai o que deveis praticar e o Deus da Paz será convosco - Filipenses). Tanto Jesus como o Profeta, como Paulo, porque denunciaram a violência exigiram o amor, desencadearam sobre eles a violência. É esta toda a história de Cristo e de seus seguidores. No versículo 46 deste mesmo capítulo do Evangelho de Mateus, os Príncipes dos sacerdotes e os fariseus procuram matara Jesus. Fazendo explodir o mal que está neles, os vinhateiros vão até matar o próprio Filho Jesus Cristo. E, então, o  mestre aluga a Vinha a outros vinhateiros, porque a pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular. Os novos vinhateiros são precisamente as vítimas da violência. É sobre eles, os Apóstolos, que será edificado o reino. Em Jesus, é desvendado o mistério de Deus e do homem como se diz em 1Pedro 2,3-10.

E QUANTO A NÓS? A vida é o próprio Deus e quem recusa a vida causa a morte!.. Como os vinhateiros não nos comportemos como os proprietários do mundo, pois isto conduzir-nos-ia a dominar os outros quer à força, quer com subtis sujeições económicas. Falamos de “crise religiosa” de “descristianização” de “abandona da prática religiosa”, que fazer para atenuar esta esterilização da Vinha e torná-la fecunda? Começamos o ano da catequese, nós, os catequistas comprometemo-nos, realmente com testemunhar e anunciar o Senhor Jesus como vida para nós ou limitamo-nos a considerar a nossa catequese tão só e apenas como a transmissão duma Doutrina ou duma ideia sobre Deus (coisas também necessárias), mas se falta esse encontro com uma pessoa viva que nos ama, a nossa catequese não roçará pela esterilidade?     
Padre José Augusto Sousa, sj